- as imagens das colunas laterais têm quase todas links ..
- nas páginas 'autónomas' (abaixo) vou recolhendo posts recuperados do 'vento 1', acrescentando algo novo ..

28/02/14

de um P dito S ..

---retirada do fb, uma análise lúcida do que é hoje o PS,
num comentário a um 'post' de Amadeu Homem, A ESTRATÉGIA DAS ARANHAS (*)

por Eldad Mario Neto  : 
de Helena Almeida

O PS, caro Amadeu Homem, parece, por vezes, um partido meio infantil. Leva pancada da direita, leva pancada da esquerda e fica no centro, como que "amuado"! Todavia, quando chora das tareias que leva, vai enxugar as lágrimas para o colinho do PSD ou do PP! E isso era perfeitamente escusado! O PS, na atual conjuntura política (diria, nacional e europeia) precisaria de um discurso NOVO, aglutinador, corajoso, diferente, verdadeiramente socialista democrático, denunciador da promiscuidade que se instalou, no País e na Europa, entre o poder político e o poder económico financeiro; e, caro Professor, tinha que se renovar! Este discurso de Assis ( bloco central estruturante da esquerda portuguesa (!!!!!!) não convence ninguém. É frouxo, obviamente medíocre e tresanda a "truque" para "apanhar", na rede do seu eleiçoeirismo barato, alguma esquerda, alguma direita e os seus próprios fiéis. 

Só um cego não enxerga que, à esquerda, o PCP não perde votos para Assis e agradece, reconhecido, a prebenda; a direita votará útil na própria Coligação (sim, que Portas pode ser um "acidente biológico", mas não é nenhum asinino e sabe duas coisas: o método de Hondt é favorável à coligação, por um lado, sendo que, por outro, esconde, em coligação, a sua fraquíssima e expectável fraqueza eleitoral) e o BE, tendo-se transformado numa fotocópia do PCP, olvidou que, para a sua presumível clientela, mal por mal, antes o original (passe a rima!).

Como se não bastasse tanta incompetência, AJSeguro acaba de pedir ajuda ao seu prosélito (??? Será???) Jorge COELHO! Ora, meu caro e Ilustríssimo Professor, isto não leva qualquer homem de bem à indignação...??? Então, não nos bastava, já, o LÁPARO do PSD? Até nos "coelhos" tinha que "empatar"? 

Meu consideradíssimo amigo, Professor Amadeu Homem, sem dar por "ela", estou quase como o partido socialista! Amuado! Permita-me que lhe agradeça, tal como a dívida pública, o impagável esforço de me ter aturado! Um abraço.
Eldade Mário Neto


(*)
A ESTRATÉGIA DAS ARANHAS 
As múltiplas insistências que o actual governo e o seu verdadeiro chefe, Aníbal Silva, têm dirigido ao PS, no sentido deste "conversar" com Passos e Portas, não provêm de qualquer objectivo que, de perto ou de longe, se relacione com o serviço do País. Nascem de um objectivo estratégico claro: o Governo e o Silva sabem que o trilho do futuro, no caso de se manterem intactas as opções impostas pela Troika, passará por um intolerável acréscimo daqueles roubos descarados que, na terminologia oficial, dão pelo nome de "austeridade".
Antevendo o acréscimo de resistência dos portugueses, os mandantes desejam reforçar a sua "legitimidade", empurrando para a sua órbita o maior partido da Oposição. E como este parece ser permeável ao aliciamento (veja-se a afirmação de Assis, segundo a qual a sua candidatura é representativa do "bloco central"), pode acontecer que o PS passe da "Oposição" à "Situação". De um ponto de vista meramente utilitarista, o PCP ficará muito grato com esta eventual cedência do aparelho partidário socialista ...
Amadeu Homem

26/02/14

Os coelhos que Crato tira da cartola são passos eleitorais

no Público, 
26 de Fevereiro de 2014 

por Santana Castilho *

Os coelhos que Crato tira da cartola são passos eleitorais 


Com um sorriso pérfido, tão impróprio quanto significativo, Passos Coelho referiu-se assim ao sofrimento que já causou e continuará a causar aos portugueses: “… Quando se começa a levar pancada, as primeiras, que podem ser as mais fortes, não são, necessariamente, as que doem mais …”.
Há circunstâncias em que a leitura das imagens pode ser dúbia. Não é o caso. O primeiro-ministro fez chacota com o anúncio de mais sacrifícios e a justeza do que afirmo poderá ser confirmada por quem me ler. Basta visionar a gravação deste momento abjecto do Congresso do PSD. Surpreende que a falta de recato verbal e decoro expressivo, por parte de quem impôs o empobrecimento forçado de milhões de portugueses, não tenha provocado incómodo nos congressistas? Nada disso! A parada do Coliseu foi agradecer prebendas e aquecer motores para as campanhas eleitorais que se seguem.
O primeiro inebriado com o cheiro a eleições foi Nuno Crato. Antecipou-se ao sorteio das facturas e desatou a distribuir milhões. Começou com 140, para uma espécie de meias licenciaturas sem certificado, a que chamou Cursos Técnicos Superiores Profissionais. Horas volvidas sobre o anúncio, os institutos politécnicos (os beneficiados na lotaria) vieram dizer que não os leccionariam. Alegaram com razão, digo eu, que a coisa se sobrepunha simplesmente a outra já existente, os Cursos de Especialização Tecnológica, sem nada lhes acrescentar e destruindo a racionalidade do que já se fazia; que a medida era precipitada e havia sido tomada sem qualquer tipo de concertação com os interessados, estabelecendo, ainda, uma confusão total entre a formação profissional de nível secundário e a formação profissional de nível superior. Com efeito, sem que se tenha resolvido a trapalhada dos 30 milhões retirados às universidades, em “golpe de mão” que provocou a demissão (suspensa, é certo) do presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, fará sentido gastar 140 milhões numa sobreposição de cursos que já existem?
Pouco tempo volvido (Diário de Notícias de 17 transacto), novo anúncio: 1.300 milhões de euros para distribuir, em dois anos, por jovens com menos de 30 anos, que tenham abandonado o ensino superior e não estejam a trabalhar. Sem que se conheçam detalhes e concedendo, embora, que no quadro de sacrifícios enormes impostos às famílias resultam positivas as medidas que os minorem, o anúncio só pode ser considerado escandalosamente eleitoralista. Apesar da ressalva anterior, será equilibrado o destino anunciado daqueles 1.300 milhões? É que, para que quem me lê ajuíze o desatino de tudo isto, recordo que, no Orçamento de Estado para 2014, a verba total alocada ao funcionamento de todas as universidades portuguesas é inferior ao que se propõe gastar com o regresso ao sistema de alguns alunos (dados recolhidos a meio do ano lectivo de 2012/2013 apontavam para cerca de 20.000 alunos com propinas em atraso e apenas 1.000 anulações de matrículas consumadas). Ou que os 650 milhões anuais anunciados para tal acção comparam com os escassos 36 milhões inscritos para toda a formação de adultos em Portugal. Primeiro desempregaram-lhes os pais e cortaram ou diminuíram-lhes as bolsas de estudo (há 9 milhões de euros de incumprimento por parte de estudantes que recorreram a financiamento bancário para custear os estudos). Agora voltam a chamá-los com tal desequilíbrio de verbas?
Porquê a obrigatoriedade de não estarem a trabalhar para serem elegíveis? Imagine-se um jovem que, exactamente porque o desemprego entrou em casa dos pais, aceitou um trabalho pago a salário de escravo. Será justo ficar sem ajuda? Estamos a dizer-lhe que foi parvo, procedendo como procedeu? Imagine-se outro que, para não desistir, passou, com enorme sacrifício, a trabalhar à noite, enquanto estuda de dia. É moralmente aceitável deixá-lo de fora?
Como se sentirão os jovens que não são elegíveis (porque não “abandonaram” os estudos) pela kafkiana razão de nunca terem entrado na universidade, por nunca terem tido dinheiro para a pagar? Que ética é a do Governo, se decidir assim?
Esta política de uma nota de dó está em sintonia com o flop do “ajustamento estrutural” da economia que, desta feita, O FMI desmascarou: 60% do aumento das exportações é consequência da entrada em operação da refinaria da Galp, em Sines. Se retirarmos do balanço importações/exportações a fatia representada pelos combustíveis, o resultado no celebrado indicador da balança comercial passaria a negativo. Saindo o cheiro da gasolina, fica, dominante, o cheiro das eleições, a marca vital de um partido que celebra ter conseguido, à pancada, dar uma vida pior às pessoas de “um país melhor”.
* Professor do ensino superior

25/02/14

a Costa "não continua linda" ..

da Visão
Quinta feira, 20 de Fevereiro de 2014 
http://visao.sapo.pt/o-antes-e-o-depois-das-praias-portuguesas=f770127

foto Jornal de Negócios, aqui

O antes e o depois das praias portuguesas

(...) É um verdadeiro cenário de guerra, o que, por estes dias, se vislumbra no passeio marítimo da Costa de Caparica, com crateras no pavimento, postes arrancados e bares parcialmente destruídos. Desde o início do ano, já foram várias as ocasiões em que as ondas galgaram o paredão, entre as praias do Norte e do CDS, arrasando tudo à sua passagem. Das escadas de acesso ao areal, restam apenas as estruturas de ferro, a pairar sobre um mar revolto, que engoliu por completo a areia da mais concorrida zona balnear da grande Lisboa. 

Aparentemente indiferentes ao ambiente de caos que os rodeia, alguns pescadores à linha aproveitam a acalmia do tempo para tentar a sua sorte nos molhes. Entre eles está Eduardo Alves, 51 anos, técnico de análises clínicas, natural de Lisboa, a viver na Costa há duas décadas, que assegura nunca ter visto nada assim. "A última vez que as praias ficaram sem areia, como agora, foi há três anos. Repuseram-na, mas acabou por ser levada pelo mar. A diferença, desta vez, foi a destruição causada pelas tempestades, que agravaram ainda mais a situação", observa. Quando Eduardo se mudou para a Costa, ainda existia uma língua de terra entre o Bugio e a Cova do Vapor, que, na sua opinião, "servia de proteção" a toda esta zona litoral. "As constantes dragagens enfraqueceram-na e os resultados estão à vista", diz. Por outro lado, "os esporões estão mal feitos, porque, como os ventos dominantes são de norte ou de sul, acabam por não proteger a costa", considera, antes de lançar mais uma vez a linha.

Para o GEOTA - Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, a zona da Costa de Caparica é um dos casos mais alarmantes em todo o litoral português. Segundo Lurdes Brandão, vice-presidente da associação ambientalista, "a culpa desta situação é do Programa Polis", que não foi concluído e não terá cumprido o seu papel." Uma intervenção desse tipo, numa zona litoral de risco, não pode só atender a questões turísticas e económicas, ignorando a proteção da orla costeira, que deveria ser o seu objetivo principal. Das duas uma: ou o programa não foi cumprido ou nada disto foi salvaguardado." A engenheira ambiental considera que a situação "está cada vez pior" e com tendência a tornar-se "recorrente, devido a esta sucessão de tempestades violentas e também por causa da subida do nível do mar". (...) Ler mais

LEIA O ARTIGO COMPLETO NA VISÃO DESTA SEMANA. NAS BANCAS 

ler também:
  • Bastonário dos Engenheiros alerta para risco de soluções avulso na Caparica -- aqui
  • Câmara de Almada leva estragos na Costa de Caparica ao Parlamento -- aqui 
.
--- a harmonia arquitectónica da Costa da Caparica
antes de o betão ter dado cabo dela:
Costa de Caparica, imagem de 1946


A imagem acima é do fotógrafo Mário Novais (1899-1967) - colecção adquirida em 1985 pela Fundação Calouste Gulbenkian (Biblioteca de Arte)*
e foi publicada na página facebook da Costa da Caparica 

Nela se vê a Rua dos Pescadores e a entrada para as três praias centrais da Costa: Paraíso, Tarquínio e Evandro -- uma das quais passou a ser (mal) dita "do CDS", desde que um qualquer vândalo lhe inscreveu a sigla numa rocha, e outra já foi a "da bola Nívea", por razões de rápida identificação..
.
* fotografias antigas, fantásticas, da Costa da Caparica e zona de Almada: 

o combóio das praias

.. Costa de Caparica, 1960:
inauguração do Transpraia - que em má hora foi retirado do centro e passou a partir de parte incerta, bem para lá do fim do paredão.

foto daqui
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de usurários

Tudo muito explicado:
«Eles (os bancos/banqueiros) são gangsters. Estão completamente fora do controle (do presidente, dos poderes legais..) e estão a destruir, não só a economia dos EU, como as economias de todas as nações do planeta.» ...
« Finalmente, nos últimos anos estamos a ver parlamentares como os da Islândia que estão a propor sistemas monetários alternativos para corrigir este problema -- ou como o chefe de Estado da Turquia, que tenta criar um sistema monetário nacional no interesse público.»



«"Palestra de Bill Still na conferência do IFSS (Fórum Internacional sobre Sistemas Financeiros) em Istambul, Turquia (2013.09.12). Bill Still é um ex editor e redactor de jornal. Escreveu para os jornais USA Today, The Saturday Evening Post, the Los Angeles Times Syndicate, OMNI magazine, etc. Escreveu 22 livros e dois vídeos documentários. Em 1996 produziu o documentário aclamado "The Money Masters / Os Mestres do Dinheiro" (www.themoneymasters.com) que previu os eventos económicos que estão apenas começando a acontecer.»

20/02/14

O homem mais perigoso

14 de Novembro de 2013
 · em Rubra · http://www.revistarubra.org/?p=4345

Por Pedro Bravo 

O homem mais perigoso


Na política, não existe homem mais perigoso do que um artista frustrado. Ele, assim que alcança o mais ínfimo poder, vai exercê-lo no extremo absoluto da arbitrariedade, e a sociedade passa a ser o suporte e a matéria da sua obra inconfundível: criar um estado de coisas para a eternidade. 
de Roman Morhardt

Conhecemos bem estes tiranos! Apesar de terem sofrido da sua arte uma profunda rejeição, não deixaram de acreditar em si mesmos, aliás, guardaram até, contra tudo e contra todos e muito intimamente, uma elevada noção do seu valor. Paradoxalmente, a sua imagem especular é de tal modo frágil que tem de ser defendida de qualquer ataque; por isso, mesmo que desejem ser amados, receiam tanto o abandono que preferem ser temidos. Quando se rodeiam de maravilhados e oportunistas, não é por precisarem da comprovação constante do seu valor, até porque para isso têm o espectáculo do poder onde se confirmam, mas para se descartarem deles ao menor tédio e contrariedade. São implacáveis, hiperbólicos, epilépticos. Não temem o ridículo, crêem-se inspirados, divinos: acham-se artistas corajosos que não recuam perante nada, muito menos perante a crueldade e o horror. Finalmente, se acabam por concentrar em si mesmos o poder absoluto do Estado, justificam a indiferença que mereceu a sua arte com uma clara degenerescência do homem, com a decadência da sociedade. Então, já não exigem o reconhecimento do povo, mas a sua submissão incondicional. 

Mas há outro género de homens que quando entra na política, se revela igualmente perigoso, ainda que por razões diferentes. Chamam-lhes tecnocratas. São professores académicos de economia e finanças, administradores de bancos ou de fundos privados de investimento, e a sua vaidade, o seu orgulho, resulta de lhes ser gabada uma sabedoria muito restrita e particular. Encaram a sociedade como uma máquina, um modelo laboratorial, e fragmentam a vida entre variáveis que operam num regime estatístico e abstracto. Reduzem o debate político a dissertações técnicas sobre quocientes, indicadores, curvas e padrões, pois consideram sempre o modelo que aplicam como o fim da História. Desprezam completamente o sofrimento humano e remetem-no para taxas naturais de miséria e impotência. Não têm paciência para a realidade dos corpos, pois a sua pretensão moral sobre o mundo é fundada numa visão utilitária, objectiva e desinteressada do comportamento humano. Adoram eufemismos, provérbios sem graça e lugares-comuns. São cinzentos, secos e gélidos, e crêem ter sempre, sempre razão. Por isso, não precisam do reconhecimento do povo e, tal como aqueles pais que desprezam o reconhecimento amoroso do filho, dele só exigem cumprimento e responsabilidade. 

A verdade é que será sempre preferível lutar contra o poder de um artista frustrado do que contra o de um tecnocrata, e a razão é muito simples: quando se consegue afastar um tecnocrata do seu lugar de poder, logo se oferecem outros dois para o substituir; pelo menos, ao artista frustrado, sempre nos livramos dele quando lhe cortamos a cabeça. Irra, o diabo nos livre desta gente! 


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Força, Amigo!


Fernando Tordo tem hoje 65 anos. 
Emigrou agora para o Brasil e eu admiro a sua coragem.
Desejo-lhe tudo de bom!



as canções de Fernando Tordo:

http://www.fernandotordo.com/ 
.

Carta ao pai 

pelo escritor João Tordo,
em 19.02.14

«Ontem, o meu pai foi-se embora. Não foi e já volta; emigrou para o Recife e deixou este país, onde nasceu e onde viveu durante 65 anos. A sua reforma seria, por cá, de duzentos e poucos euros, mais uma pequena reforma da Sociedade Portuguesa de Autores que tem servido, durante os últimos anos, para pagar o carro onde se deslocava por Lisboa e para os concertos que foi dando pelo país. Nesses concertos teve salas cheias, meio-cheias e, por vezes, quase vazias; fê-lo sempre (era o seu trabalho) com um sorriso nos lábios e boa disposição, ganhando à bilheteira.Ontem, quando me deitei, senti-me triste. E, ao mesmo tempo, senti-me feliz. Triste, porque o mais normal é que os filhos emigrem e não os pais (mas talvez Portugal tenha sido capaz, nos últimos anos, de conseguir baralhar essa tendência). Feliz, porque admiro-lhe a coragem de começar outra vez num país que quase desconhece (e onde quase o desconhecem), partindo animado pelas coisas novas que irá encontrar. Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo. Acontece que o meu pai, quer se goste ou não da música que fez, foi uma figura conhecida desde muito novo e, portanto, a sua partida, que ele se limitou a anunciar no Facebook, onde mantinha contacto regular com os amigos e admiradores, acabou por se tornar mediática. E é essa a razão pela qual escrevo: porque, quase sem o querer, li alguns dos comentários à sua partida. Muita gente se despediu com palavras de encorajamento. Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC's e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os duzentos e tal euros. Eu entendo o desamor. Sempre o entendi; é natural, ainda mais natural quando vivemos como vivemos e onde vivemos e com as dificuldades por que passamos. O que eu não entendo é o ódio. O meu pai, que é uma pessoa cheia de defeitos como todos nós - e como todos os autores destes singelos insultos -, fez aquilo que lhe restava fazer. Quer se queira, quer não, ele faz parte da história da música em Portugal. Sozinho, ou com Ary dos Santos, ou para algumas das vozes mais apreciadas do público de hoje - Carminho, Carlos do Carmo, Marisa, são incontáveis - fez alguns dos temas que irão perdurar enquanto nos for permitido ouvir música. Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece. Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC's e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha. Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar, contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou com ela. A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país. A segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos os dias. A terceira foi a esperança. E a quarta foi o meu pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país - do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos, quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos. Fracassaram nesse propósito; enganaram-se ao pensarem que podíamos mudar. Não queremos mudar. Queremos esta miséria, admitimo-la, deixamos passar. E alguns de nós até aí estão para insultar, do conforto dos seus sofás, quem, por não ter trabalho aqui - e precisar de trabalhar para, aos 65 anos, não se transformar num fantasma ou num pedinte - pegou nas malas e numa guitarra e se foi embora. Ontem, ao deitar-me, imaginei-o dentro do avião, sozinho, a sonhar com o futuro; bem-disposto, com um sorriso nos lábios. Eu vou ter muitas saudades dele, mas sou suspeito. Dói-me saber que, ontem, o meu pai se foi embora. » 
retirada daqui: http://joaotordo.blogs.sapo.pt/carta-ao-pai-129182 
 *
de Fernando Tordo,

Carta ao meu filho João. 


Magoaram-te. Não a mim, cinquenta anos de tudo e mais alguma coisa. Magoaram-te porque achas estranho que se diga de um tipo, que para mais conheces bem, o que algumas pessoas disseram e continuarão a dizer. Perante a tua carta que a Eugénia e teu irmão Francisco Maria me encaminharam, o que é fica? Tentação de devolver os insultos com o vernáculo que bem me conheces e és admirador? Não. O que fica, meu querido filho, é a tua carta. 

Tenho tanto que fazer, aqui. Por todos vocês. ( grande fotografia que a tua irmã Joana me mandou ) ela e os meus netos, aqueles sorrisos. 

Não entristeças, João. Temos dado o melhor de nós e isso não admite gentinha; só aceita dignidade e respeito por vidas que se dedicaram e dedicam não porque têm talento, mas sim porque têm aquele mistério revelado de poderem escrever uma carta como a tua. 
Beijo do teu pai 
fernando. 
fonte
 *
de Fernando Tordo,
texto retirado da sua página pessoal no facebook:

«Amigos.
Tive a intenção de informar, e agradeço as centenas de comentários que foram feitos por vós, mesmo aqueles que de forma mais ou menos dura se referem a esta minha saída do nosso País. Quase todos saberão que tenho mulher, filhos, netos, amigos e uma obra vasta na Música da nossa terra. Não seria para mim minimamente sensato abandonar tudo, pessoas e trabalho, 65 anos de vida e 50 de profissão. ----- ler mais

12/02/14

Quando a aparência apaga a essência

no Público,
12 de Fevereiro de 2014

por Santana Castilho *

Há coisas que não se podem ignorar nem esquecer, sob risco de derrogarmos a nossa própria condição humana. Ninguém se pode arrogar o direito de possuir a verdade toda. Mas todos temos o dever de afirmar e promover o humano. Na escola básica, na secundária e, obviamente, na universidade. 

A um defensor (jovem) das praxes académicas ouvi dizer que preparam para a vida, que habituam ao relacionamento com os chefes e com as regras que pautam as sociedades. A afirmação do jovem arrepiou-me por ser resposta à descrição de rituais perversos, de domesticação do ser humano, que evidenciam práticas humilhantes e agressivas, apenas justificadas pelo poder arbitrário. A declaração deste universitário mostra que o percurso escolar por que passou foi insuficiente para o fazer distinguir regras úteis de procura da verdade, da fraternidade e da justiça, de regras sem sentido nem submissão à ética e à moral, conducentes ao simples assédio dos colegas mais novos, visando, confessadamente, prepará-los para obedecer aos chefes, de modo acéfalo, e para cumprir regras, não importa que regras. A declaração deste jovem mostra que o estudo da história não logrou esclarecê-lo sobre o que foi (é) o fascismo. 

Há ocorrências que, apesar de serem insignificantes quando relativizadas com os tempos correntes, assomam mais tarde à consciência, como significativas. 

De um oficial de nova profissão (consultor de comunicação) li, em entrevista à “Visão” de 14 de Novembro de 2013, uma descrição relevante sobre o modo como se usa a mentira para “derreter” pessoas incómodas ao “chefe”. A declaração do mestre (acabava de defender, numa universidade estrangeira, com nota máxima, uma tese de mestrado sob o título “A Comunicação Política Digital nas Eleições Directas de 2010, no PSD, pelo candidato Pedro Passos Coelho”), é um repositório de “regras” simples para promover “campanhas negras”, visando distorcer os resultados de uma disputa eleitoral, designadamente criando no “facebook” perfis falsos de pessoas que não existem e que passam a ser usados para denegrir os adversários. Sem ética nem moral, em obediência ao “chefe”, cumprindo as “regras”. Segundo o entrevistado, as juventudes partidárias são fonte de recrutamento para a actividade descrita. Segundo o entrevistado, vários destes obedientes ao “chefe” e cumpridores de “regras” estão hoje em lugares de Estado. E para que dúvidas não restem, os nomes dados como exemplo estão lá, em letra de forma. 

Não sei se o jovem protagonista da entrevista chegou a “dux” na universidade que frequentou, ou, sequer, praxou e foi praxado. Muito menos consigo prever se o futuro do jovem, que com tais argumentos sustenta a praxe, passará pela forma de fazer comunicação e política que o consultor expôs. Mas, inevitavelmente e no quadro multifacetado do debate sobre a praxe, a minha ficção cruzou-lhes os percursos. 

A essência da praxe que hoje discutimos nada tem a ver com a aparência que alguns dos seus defensores transmitem. É falso que a praxe seja, entre nós, uma tradição universitária de muitos anos. O seu primeiro código data de 1957, numa universidade cujas origens remontam a 1308. Outrossim, as práticas humilhantes e violentas que hoje se discutem aparecem com o dealbar de uma sociedade que endeusou a competição, promoveu a hierarquização globalizante e iniciou a oposição à sociedade igualitária que o 25 de Abril ensaiou. Sem juízos de valor, sejamos honestos quanto à aparência do que se discute e não sejamos inocentes quanto à essência que os rituais desta praxe podem servir. 

Quando o discurso oficial promoveu a PACC (Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades) dos professores, garantindo que tal enormidade assegurava “mecanismos de regulação da qualidade do exercício de funções docentes e de garantia de requisitos mínimos de conhecimentos e capacidades transversais à leccionação de qualquer disciplina”, escondeu com tal falsa aparência a essência de uma política: desprestigiar a imagem profissional da maior classe do sector público, para poder continuar a baixar salários e transferir recursos do público para o privado. Quando o discurso oficioso anuncia que o último défice da República ficou abaixo do previsto, manda a essência (e a decência) que lhe perguntemos: quantas crianças foram lançadas na pobreza? Quantos velhos foram abandonados? Quantos jovens tiveram que emigrar? Quantos pais ficaram desempregados para sempre? Quantos fiéis ao “chefe” serão premiados? 

Qualquer ritual integrador de uma universidade não pode ser dominado por cânones de hierarquias assentes no despotismo e na competitividade malsã. A universidade só pode ser a estação última de um processo educativo de cidadãos livres, solidários e críticos. A universidade não deve ser ponto de partida de carreiras tecnocráticas, onde se aprende a “derreter” quem se opõe ao “chefe”. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

11/02/14

universidades públicas para quê?

retirado daqui 
por Almiro Lopes
de Roman Morhardt

Mas por que motivo não aparecem ministros licenciados nas universidades públicas? 

Uma constatação interessante que alguém teve a pachorra de compilar. 

De facto, parece que, deste Governo, ninguém tirou o curso na Pública e, das privadas, só 2 (ministros) na Católica! 

Eis algumas das Universidades Privadas mais representativas :
  • Universidade Moderna - encerrada pelas Autoridades por ser Centro de Crime Organizado.
  • Universidade Independente - encerrada pelas Autoridades por ser Centro de Crime Organizado.
  • Universidade Internacional - encerrada pelas Autoridades por ser Centro de Crime Organizado.
  • Universidade Lusófona - os processos de equivalência provam que há licenciaturas fraudulentas.
  • Universidade Livre que (passou a Universidade Lusíada) - nada leva a crer que seja melhor que as outras. 

MINISTROS:
  1. MINISTRA DA JUSTIÇA: Paula Teixeira da Cruz. Licenciada pela Universidade Livre. 
  2. PRIMEIRO MINISTRO: Pedro Passos Coelho. Licenciado pela Universidade Lusíada (ex-Livre) 
  3. MINISTRO DA SEGURANÇA SOCIAL: Pedro Mota Soares. Licenciado pela Universidade Internacional. 
  4. EX-MINISTRO DE ADJUNTO: Miguel Relvas. Licenciado ??? pela Universidade Lusófona.
  5. EX-MINISTRO DAS FINANÇAS: Vitor Gaspar. Licenciado pela Universidade Católica. 
  6. EX-MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS: Paulo Portas. Licenciado pela Universidade Católica. 

SECRETÁRIOS DE ESTADO:

  1. Secretária de Estado do Tesouro e das Finanças - Maria Luís Albuquerque. Universidade Lusiada. 
  2. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais - Paulo Núncio. Licenciado pela Universidade Católica.
  3. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus - Miguel Morais Leitão. Licenciado Universidade Católica. 
  4. Secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional - Paulo Braga Lino. Universidade Portucalense. 
  5. Secretário de Estado da Administração Interna - Filipe Lobo D'ávila. Universidade Católica. 
  6. Secretário de Estado Adjunto do Ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares - Feliciano Barreiras Duarte. Universidade Lusófona. 
  7. Secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar - João Casanova de Almeida. Universidade Lusófona. 
  8. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas - José Cesário. Universidade Lusófona. 
  9. Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social - Marco António Costa. Universidade Católica. 
  10. Secretário de Estado do Ambiente e Ordenamento do Território - Pedro Afonso de Paulo. Não diz. 
  11. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros - Luís Marques Guedes. Não diz. 
  12. Secretário de Estado Adjunto da Economia e Desenvolvimento Regional. Não tem curso. 
  13. Secretário de Estado da Energia - Artur Trindade. Não se sabe. E esta ? Quem diria!
PS : a "não se sabe" ainda foi das que mais diplomas deu ! ! Fechem as Universidades públicas; não servem para nada!!!!!!!!!

a sabedoria do Aleixo e a indecência do outro


Ora pasmai! :

Primeiro-ministro paga 12.500 euros a empresa para atender telefones 

«O primeiro-ministro contratou uma empresa de “outsourcing” para atender telefones em São Bento, a sua residência oficial. (...) 
É justificado pela ausência de recursos próprios, apesar de o gabinete de Passos Coelho dispor de 10 secretárias e 21 administrativos na residência oficial.»

10/02/14

Papéis no bolso

Bom .. pela minha parte, só pagarei impostos "com um sorriso nos lábios" quando, para além de justiça na sua aplicação, para além de contenção séria nas despesas dos governantes e da AR, vir (como parece que vêem os suecos..) os serviços públicos implementados de forma generalizada e a funcionarem "às mil maravilhas"!
 

Público, aqui
10/02/2014

por Rui Tavares 

Papéis no bolso

A Praça do Comércio tem desde há uns tempos um urinol de luxo, desenhado por uma marca de papel higiénico conhecida. A utilização custou 50 cêntimos, se bem me lembro, da única vez que tive de o usar. À saída, perguntaram-me: "Quer fatura com número de contribuinte"? O utilizador fica com a bexiga mais aliviada e com mais um papel no bolso. 

Saí dali a pensar qual seria a reação de um turista de um desses países onde se paga tanto ou mais impostos do que em Portugal, não há os mesmos problemas de evasão fiscal e, no entanto, ninguém está sempre a pedir e a entregar faturas. Nesses países raramente se dá o número de contribuinte, a não ser para compras de montantes elevados. Comprar o jornal e o café resulta, se tanto, na emissão de um recibo de caixa. Pagar impostos em alguns destes países é quase invisível — embora não seja indolor. 

O exemplo costumeiro é o da Suécia, onde os indivíduos podem pagar até 60% de imposto (entre taxas municipais, sobre o trabalho ou sobre rendimentos de capital) e o IRC pode ir até 30%. No entanto, mais de 80% dos suecos dizem confiar muito na agência estatal que recolhe os impostos. Em 2013, esta agência, chamada Skatteverket, ficou em segundo lugar na lista das instituições mais respeitadas do país, apenas atrás da agência de proteção dos direitos dos consumidores. Os suecos pagam muito, mas pagam todos, e sentem que todos pagam de forma justa. Por isso, e porque são compensados por ótimos serviços públicos, não se importam de pagar. 

Pode dizer-se que a atitude perante os impostos na Suécia é o resultado de uma cultura que tem já várias gerações. É provavelmente verdade. 

O problema é que o Governo está a destruir qualquer hipótese de, em Portugal, virmos a ter uma cultura e um sistema fiscal decentes. Ao mesmo tempo que pretende transformar o país num autêntico off-shore para o IRC, alegando mesmo que quer competir com a Irlanda, tenta dar uma impressão de hiperatividade junto do cidadão comum, primeiro com multas para quem não pedir fatura, agora com prémios ridículos e antipedagógicos: carros de "alta gama" a sortear para quem acumular montantes mais altos em faturas pedidas. 

E não me venham dizer isto é apenas o primeiro passo, que é preciso "começar por algum lado". Tudo isto é o contrário do que deveria ser feito. Não é com a fatura do café da esquina que se combate a evasão fiscal legal que as nossas 20 maiores empresas praticam impunemente todos os dias para as suas sedes fictícias na Holanda. 

Portugal precisa de impostos mais progressivos. Precisa de lidar duramente com as empresas que tenham "sedes de apartado" na Holanda, não lhes dando vantagens nas relações com o Estado, de compras da administração a concursos públicos. E precisa de reintroduzir um imposto sucessório com isenção até um milhão de euros, e de introduzir um imposto sobre grandes fortunas. Só assim terá autoridade, na União Europeia, para ser a favor da harmonização da base fiscal e da criação de um IRC europeu — se não mesmo global, como sugere o economista francês Thomas Piketty — para as multinacionais, a ser distribuído pelos Estados-membros e a financiar projetos de criação de emprego, um subsídio de desemprego e uma Segurança Social supletiva na esfera comunitária. 

Nesse dia, os portugueses pagarão impostos com um sorriso nos lábios — e carregarão menos papéis nos bolsos.

09/02/14

a lógica da batata


no Expresso,
Sexta feira, 7 de fevereiro de 2014

por Daniel Oliveira 


Devemos mais. Crescemos menos. Então estamos melhor.



A semana passada o comissário Olli Rehn veio reafirmar a "narrativa" de que se fala: se Portugal tivesse pedido ajuda um ano antes (em 2010) hoje estaria bem melhor. E ainda mais preparado para regressar aos mercados em bom estado. Compreendo o papel destas declarações para efeitos de propaganda. Mas seria bom que tivessem uma relação com os factos. Na "narrativa" deste governo e do senhor Olli Rehn, o resgate aconteceu porque o Estado português se endividou de tal forma que já não podia pagar o que devia. Pelo menos não podia pagar com o crescimento que o País tinha. É isto, não é? 

Então vejamos. Em 2010, a nossa dívida pública correspondia a 94% do PIB. Hoje é 129%. Sabemos que, para a dívida chegar aos 60% do PIB, como nos é exigido, teríamos de ter um crescimento económico médio de 4% nas próximas três ou quadro décadas. Sempre. E sempre com juros da dívida simpáticos. Alguém no seu prefeito juízo acredita nisto? Se a nossa dívida é ainda mais impagável do que era, o que mudou? Dirão, o problema não é a dívida, é o crescimento que a pode sustentar. Perdão, mas em 2010, quando supostamente deveríamos ter pedido ajuda - em contraste com este momento em que vivemos, que até podemos debater se regressaremos aos mercados sem rede ou optamos por um programa cautelar - o nosso crescimento era de 1,94. Em 2013 deve ter caído 1,5 e as versões mais optimistas dizem que cresceremos 0,8 em 2014. Ou seja, o crescimento muito menos prometedor do que em 2010 para garantir a sustentabilidade da nossa dívida. 

A dívida é maior, o crescimento que a pode pagar é ainda mais anémico. Mesmo o défice, já agora, era mais alto em 2010, mas estava em linha com o défices extraordinariamente altos da generalidade dos países europeus nesses primeiros anos de crise. Quanto à divida privada (das empresas e das famílias), que sempre foi o nosso verdadeiro problema, tirando pequenas variações, nada de substancial mudou. 

O que mudou, realmente, foram as taxas de juro. E foi por causa delas que, em 2011, Portugal foi obrigado a aceitar a intervenção externa.E essas são, de facto, hoje, muito mais baixas. Se bem que estamos a falar de taxas nominais. A queda da inflação a que temos assitido acaba por anular estes ganhos, mantendo as taxas reais quase inalteradas. Seja como for, perante a maior dívida desde que entrámos no euro e um dos piores crescimentos económicos, temos as taxas de juro mais baixas da década. Porque fizemos as reformas estruturais e os mercados, sempre sábios e atentos, apreciaram? Claro que não. Não fizemos qualquer reforma estrutural importante e os mercados estão-se nas tintas para isso. Se os mercados olhassem com atenção para a nossa dívida e para a nossa economia as nossas taxas de juros estariam nos píncaros. Pelo menos, muito mais altas do que em 2010. 

A única diferença para os mercados é que as instituições internacionais, que através do "resgate" assumiram a "tutela" da nossa dívida, garantem uma intervenção externa permanente dos credores - seja por via da troika, de planos cautelares ou de regras europeias - que tirará daqui tudo o que puder tirar para pagar o que devemos. E o mais que ainda vamos dever. Essa é a sua segurança e essa é a razão porque as nossas taxas de juro acompanham muito mais as variações do que acontece na Europa do que em em Portugal. 

Dizer que é isto, e não a recuperação do país, que garante que continuaremos a financiar-nos nos mercados estraga a história de Olli Rehn e do governo. Na realidade, parece que estamos tanto melhor para os mercados quanto pior vamos ficando. Parece não haver problema se devermos mais do que devíamos e crescermos menos do que crescíamos. Desde que cá esteja alguém para transformar o país num produtor para pagar uma dívida que está sempre a ser paga e sempre a crescer. Garantido uma transferência permanente de recursos da nossa economia para os credores. Eternamente, se necessário for. É por isso que não vale a pena continuarmos a enganar-nos com as pequenas oscilações dos juros e de cada pequeno indicador. Ou cortamos o ciclo vicioso (e será doloroso), ou nosso futuro está traçado. Nenhum país saiu do ciclo infernal de dívidas impagáveis sem as reestruturar radicalmente.  fonte

lucrar com a miséria

retirado daqui

por Filipe Tourais

As multinacionais da caridade, um negócio em expansão
A miséria alastra, a pobreza generaliza-se, o Estado social mingua, as protecções sociais encolhem, o assistencialismo encontra terreno livre para se expandir. "Voluntariado", "banco alimentar" e até "empreendedorismo social" são expressões que vão entrando no ouvido. Invisível aos olhos da grande maioria, há uma reconfiguração social em curso que transforma o que antes eram direitos em migalhas que apenas se obtêm através da humilhação de ser obrigado a pedir. Em qualquer centro comercial onde vamos, nas ruas mais movimentadas, em qualquer lugar onde passe muita gente, os angariadores estão por toda a parte: "não quer contribuir para uma causa nobre?", "causa nobre" dito com solenidade, porque as "boas pessoas", ou pelo menos as pessoas boazinhas, não viram as costas a "causas nobres".

E que fim têm os donativos? Aqueles senhores e senhoras com cara de voluntários que nos interpelam serão mesmo voluntários ou serão precários treinados e pagos ao dia para pedincharem? Se abrirmos a carteira, a quem iremos ajudar? Qual é o critério que a organização que recebe o nosso dinheiro utilizará para o redistribuir? Estas são algumas questões importantes que quem dá deveria colocar-se antes de o fazer, consciente de que a fiscalização destas organizações escapa deliberadamente a poderes públicos que estão nas mãos de quem nelas vê preciosos aliados para desmantelar o Estado social que ainda vamos tendo.

A reportagem do vídeo junto é uma visita guiada a alguns dos recantos mais obscuros desta nova indústria da caridade. Aqui o deixo, no dia a seguir a ouvir o responsável máximo daquela que é a maior organização do ramo entre nós, a Igreja Católica, a defender que os direitos das minorias devem ser referendados. Não se referia à minoria a que preside, nem ao direito que aquela continua a ter de não pagar impostos de qualquer tipo, apesar de ser o maior proprietário imobiliário do país e apesar dos milhões que não paga sobrecarregarem a restante sociedade com impostos insuficientes para acudir aos mais necessitados. Este é o referendo que um dia teremos maturidade para fazer.

Por ora, o alvo da preocupação do senhor Cardeal Patriarca de Lisboa ainda é um direito humano tão elementar como o direito de milhares de crianças à protecção familiar do cônjuge do mesmo sexo do seu pai ou da sua mãe, uma protecção legal que não chegará a tempo de evitar o abuso de um número indeterminado de crianças por parte de membros da impoluta Igreja Católica, a multinacional da moral e dos bons costumes que o actual Governo escolheu como parceiro privilegiado nos seus negócios da Saúde. Isto anda tudo ligado.

patriarca de Lisboa- referendêmo-lo!

O novel patriarca de Lisboa e a coadoção por casais do mesmo sexo


O Dr. Manuel Clemente, ex-bispo do Porto e atual patriarca de Lisboa, à espera do fim do prazo de validade cardinalícia do ex-patriarca Policarpo, para obter o devido barrete, entende que «os direitos das minorias devem ser referendados».

Não se trata de certezas metafísicas mas de opiniões pias. Certamente que foi o informal referendo à opinião pública que levou, perante aplausos devotos, os judeus e as bruxas à fogueira inquisitorial. Os direitos das minorias, sujeitos ao poder arbitrário das maiorias, podem erradicar vegetarianos, diabéticos, carteiristas, amola-tesouras, clérigos, leprosos ou corcundas.

Sendo a liberdade religiosa um direito que permite o culto às minorias eu imagino o que resultaria de um referendo sobre o direito das Testemunhas de Jeová, de Adventistas do 7.º Dia, mórmons ou dos mais minoritários, budistas Zen, a residirem em Portugal.

Estando em causa a adoção comum por casais do mesmo sexo onde, legalmente, o filho de um já coabita com os dois cônjuges, não se percebe se é o direito à família que Sua Excelência Reverendíssima quer pôr em causa ou se deseja a anulação da paternidade, biológica ou por adoção, ao cônjuge que a exerce.

Se os direitos individuais passarem a ser objeto de referendo, como pretendeu o líder da madraça juvenil do PSD, a mando do PDG virtual do partido, vamos ser convocados a pronunciar-nos sobre o direito à adoção por chineses, berberes, esquimós e mongóis com o beneplácito do patriarca de Lisboa.

De repente lembrei-me de Camilo, que chamou a Frei Gaspar da Encarnação “uma santa besta”, epíteto que nunca teria a ousadia de atribuir a um prémio Pessoa: em primeiro lugar, porque não o conheço, em segundo, porque poderia ser injusto e, finalmente, o Sr. Patriarca pode não ser santo.

07/02/14

inconsistências e NY

Sei, o facebook matou os blogues, há muito tempo.
Apesar disso, continuo a alimentar este daqui, basicamente já só com artigos, opiniões, de quem, mais do que eu, sabe das coisas - e melhor! -, de quem confia ainda no poder transformador da palavra.

Uso o facebook como quem lê a imprensa diária. Só que a minha é mais crítica, mais "engajada". Leio os acontecimentos nas franjas, e anotados. Tenho um grupo de "amigos" interessante, valha-me isso! Como os reúno, àqueles que só conheço virtualmente? Pois, precisamente, leio-lhes a prosa. Gosto. Peço-lhes a amizade que depois (quase sempre) me concedem.

Deste blogue, não sei já nem o rasto. Não escrevo, copio, de tempos a tempos. A inutilidade da coisa, a fatuidade de quase tudo. Fiz recentemente duas viagens a dois sítios distantes, opostos. Gostava de partilhar impressões. Partilhar. "Com quem?", penso. Haverá alguém que ainda me leia, que venha procurar-me neste Vento? Alguém, para além dos (poucos) que me querem muito bem? Dos pouquíssimos que, querendo-me bem (ou ao meu blogue..) ainda têm paciência para as minhas opiniões, um texto longo, a alheia existência mal-exposta? Não tenho como saber de mim, a menos que aqui me deixem comentários .. ;(

Em Dezembro estive em Nova Iorque, em Janeiro Moçambique. Que contraste! Regressada do 1º destino, pensei fazer um post, até hoje. Iniciei-o mentalmente. O que é que NY tem? Tudo. Nada. 

Era Dezembro e festejava-se por lá amplamente a "Holiday Season". Muita luz, muita feericidade (?) para quem não gosta da quadra, nem de festividades que o sejam obrigatoriamente.

À porta do hotel, quedava-me o tempo de fumar um cigarro, agasalhada pelo simpático aquecedor no tecto. Todos os dias em que lá estive, duas senhoras ao serviço de uma qualquer empresa esganiçavam-se invariavelmente numa qualquer versão de "Gingle Bells", acalorando de esfuziante, excessiva felicidade os hóspedes que entravam e saíam, os demais transeuntes. Agitavam sininhos, um sorriso "de orelha a orelha". Vendiam, se bem percebi, visitas turísticas guiadas. Tinham carapuços festivos, de pai-natal. Ali ao pé, em Times Square, reproduções ambulantes das míticas figuras da Disney, ou nem tanto, ufanavam-se em hipóteses de fotografias pagas com os estrangeiros - os deslumbrados e os outros. Por todo o lado, muita luz, muita alegria obrigatória, daquela espécie a que me custa aderir, sobretudo quando, na esquina seguinte, me deparo inevitavelmente com um sem-abrigo, a temperatura que desce, a chuva que começa a gelar. É Dezembro. Da janela do quarto (para fumadores, um luxo!;) vejo o Empire State Bulding, às vezes encobrindo-se de nevoeiro.

Dou-me conta de que o comércio, todo ele, está nas mãos de estrangeiros: indianos ou paquistaneses, egípcios, latino.-americanos, portugueses. Comprovo aquilo que nunca imaginei: em NY regateia-se, discutem-se os preços dentro das lojas, pior que em Marrocos. Vi e ouvi como um transformador de corrente passou de uns impensáveis mil e tal dólares etiquetados para uns inimagináveis 40 registados na máquina. Pensei, "em Nova Iorque? Como é possível?! E onde é que estão os americanos, que nem na 5ª Avenida se deixam avistar?"

Apercebi-me, também, de como os grandes "empórios" estão nas mãos de judeus, a identificação da "propriedade" deduzida pelos nomes das macro-empresas, dos hotéis de luxo.

Em NY não há crise, há um consumismo desenfreado, as lojas sempre cheias, o vaivém de turistas (e nacionais?), a alegria que se expõe e impõe, American dream seja ele, ou não. Em cada esquina há um sem-abrigo, e vi o Wim Wenders, o Land of Plenty coisa nenhuma.. Sei mas não parece que sei. Tudo é um culto de aparências, os popos antigos das meninas novas, os pescoços ao léu nos cabelos arrepiados e aquele frio de rachar.

Os carros parecem acabados de sair de um stand, todos grandes, todos de boas marcas. Os condutores, ainda uma estranheza de simpatia e civismo, a buzina que não soa quase nunca, a paciência com os peões incautos, infractores. Muitos "school" e outros "buses", um metro que agora vai sempre a abarrotar, eficaz. Nas lojas em que se entra, os vendedores acolhem-nos como a um membro da família, desfazem-se em atenções, perguntam e dão o nome como os atendedores de call centres, aqui. Suspeito que os empregados das lojas, restaurantes, ganham apenas (ou principalmente) à comissão, os direitos por que não lutam há décadas. Os grandes sindicatos americanos e os filmes que me vêm à memória, Há Lodo no Cais, o maior deles. Tudo muito "show-off", a sugerir artificialialidades.  E é Natal, quadra que abomino. O senhor afro-americano que sai e me admoesta porque o meu fumo lhe está a entrar na loja em que é porteiro e segurança, o passeio público sua reclamada propriedade!

Tinha lá estado há muito, muito tempo, acho que na década de 70. Não me espantaram agora os edifícios de vidro, imponentes. Não me espantou quase nada, eu "atremojada" de frio na cidade que não dorme - mesmo! , as lojas sempre abertas, as multiplicadas ofertas, quanto mais não seja de fatias de pizza deliciosas, permitindo uma estadia barata. Um Starbucks de copos de plástico (ou são de papel?) em cada esquina, o café horrível ao contrário do que já provara da mesma cadeia, a máquina Nespresso com que sempre viajo, cafeino-dependente que sou, e que não consegui pôr a funcionar com aquela "alternância" de corrente..

Gostei?
Gostei de ter ido, claro, a vidinha a que se foge por uns dias, apesar de tudo. O ver que, felizmente, nem todos estamos em crise, neste mundo. Que a retoma de lá talvez arraste uma retoma cá, um dia .. 
E gostei que as pessoas já não se retraíssem quando abordadas na rua, receando um assalto como há quase 40 anos atrás. 
Gostei de ver o bulício nas muitas linhas de metro, outrora vazio. 
Gostei das pessoas, simpáticas na sua maioria. 
Desta vez, não vi aquelas mulheres de meia-idade a falarem sozinhas, nos restaurantes e nos parques. 
Vi menos pessoas à procura de comida nos caixotes do lixo do que as que encontro cá. 
Era inverno e estava frio. 
Gostei? Claro que gostei!

mal-sonhar o futuro

-----clicar para ampliar:
----- transcrevo o artigo ao lado (retirado daqui) para quem tenha falta de vista como eu:)


«Uma noite destas, tive um pesadelo extraordinariamente nítido e aflitivo. Do início, recordo a trivialidade da cena. Lia o jornal no Café Central de Caminha, como habitualmente.

Crimes, mais crimes, mais crimes...e já só leio os títulos. Parece sempre a mesma notícia repetida à exaustão. Das notícias da política também emerge um padrão de desalento, numa paleta simplificada entre a farsa de quem governa e a tragédia que se abate no dia a dia de quase todos. O país atrofia, empobrece, desiste de si próprio, vende-se ao desbarato, recua décadas na liberdade a sério que o Sérgio Godinho tão bem cantava, com paz, pão, saúde, educação...liberdade de pensar e decidir!

Sacudo o jornal, não sei bem se para o dobrar melhor ou se para o libertar da toada das más notícias sem fim. Olho-o com saudades no sítio onde há pouco mais de um ano estaria a pequena crónica de um talentoso resistente que a morte nos roubou. Pequena no tamanho. Enorme na força. Quando leio o jornal sinto muito a falta daquelas poucas mas preciosas palavras, sempre inquietas e lúcidas.

Pouso-o dobrado na mesa e de repente tenho a impressão de que tudo à minha volta mudou naqueles minutos em que estive concentrado na leitura. Os rostos que há pouco me pareciam iguais a sempre, perdem cor e envelhecem abruptamente. Corpos encarquilhados. Movimentam-se lentamente e falem por sussurros.

Com dificuldade, percebo que na mesa ao lado conversam sobre a crise. Dizem ter acabado. Elogiam o governo. "Estamos a sair de uma espécie de guerra. É tempo de enterrar os mortos e as ideias que hostilizem os nossos salvadores. Por gratidão e sensatez!" - falam uns com voz cavernosa e olhar mortiço. "Graças à coragem do governo e ao apoio internacional, a nossa economia já disputa de igual para igual com os países asiáticos de mão-de-obra mais competitiva!" - afirma outro com ar sábio. "Agora sim, finalmente atraímos investimento estrangeiro!" - diz um. "E o que poupámos, na saúde, no ensino, nas reformas e na segurança social dá para termos bancos lucrativos e bem cotados!" - diz outro.

"E a dívida já se tornou sustentável, então?" - pergunto eu, curioso. "Que dívida?" - perguntam todos em estranhíssimo coro. "Então não foi a exigência de pagar uma dívida que ditou os últimos tempos de empobrecimento e servidão?" insisto, ingénuo! Aí, levanta-se de uma mesa no fundo do café um sujeito em quem não tinha reparado antes e que não conhecia. Alguém com um ar mais bem tratado que os restantes, meus conhecidos. Com uma voz firme e paternal, aproxima-se de mim  explica-me que há muito que a dívida deixou de estar no centro do discurso político. "Embora continue a desempenhar um papel importantíssimo para configurar uma democracia que não crie veleidades de igualitarismos perigosos." - disse com uma delicadeza firme. Pacientemente, evidenciou que sem uma remuneração generosa para o capital, o sistema tornar-se-ia frágil. E com um sorriso afivelado explicou-me que ser realista é compreender que as pessoas são descartáveis, mas o dinheiro, o dinheiro não! E concluiu esclarecendo-me de que sobre a dívida estava tudo sob controlo, com as mudanças levadas a cabo no país. "Não conseguimos reduzi-la, mas está tudo bem. Temos agora, mais do que nunca, amigos muito poderosos que sabem usá-la sem dramatismos desnecessários. Desde que nos continuemos a portar bem..."

Acordei. Com uma intensa dor de cabeça. Confuso. Aliviado por ter acordado. Nada disto é possível fora do meu pesadelo. Pois não? »

Carlos da Torre 
Colaboração no jornal regional "Vale Mais" 
ilustração de Arnaldo Alves

A revolução conservadora

no Público,
06/02/2014,

por Manuel Loff  *

No centenário da I Guerra Mundial, estamos a regressar à revolução conservadora que se começou a preparar nos anos que a precederam. 


Revogação do direito à interrupção voluntária da gravidez por livre decisão da mulher em Espanha. Novas manifestações em França contra o casamento de pessoas do mesmo sexo. Legislação homofóbica na Rússia e na Hungria. Em Portugal, tentativa de levar a referendo o direito à coadoção por casais do mesmo sexo. Avanço das direitas religiosas nas Américas, apostadas em reverter legislação favorável ao direito de a mulher decidir sobre o seu corpo e a impedir quaisquer novas mudanças na conceção legal de família.

Que fantasma é este que percorre sociedades em que se vive um profundo mal-estar social, quer quando provocado pela desigual distribuição de nova riqueza, ou pelo agravamento brutal da miséria nas economias, como a nossa, sujeitas a formas renovadas de abuso e exploração?

Desengane-se quem pensou que era irreversível o caminho percorrido para chegar à igualdade entre os sexos, à emancipação das minorias de orientação sexual. Atente-se na coerência do processo histórico que estamos a viver: se há 30 anos temos desandado no caminho da igualdade social, é natural que comecemos a desandar no da igualdade sexual e reprodutiva.

Em Espanha, o governo de direita prepara uma regressão de 30 anos na vida das espanholas, proibindo o aborto, que passa a ser permitido apenas se “existir perigo importante e duradouro" para a saúde física ou psíquica da mulher ou para a sua própria vida; e, no caso de violação, apenas se esta tiver sido previamente denunciada à polícia e apenas nas primeiras 12 semanas. A mulher deixa de poder livremente pedir para interromper uma gravidez mesmo que se comprovem malformações evidentes no feto, a menos que estas comprovem uma "anomalia incompatível com a vida", e sempre sujeita a condições muito complicadas. O autor da proposta é o ministro da Justiça espanhol que pronuncia disparates ofensivos como o de que “a liberdade da maternidade é a que faz as mulheres serem autenticamente mulheres” (El País, 28.7.2012) – idêntico ao discurso dos bispos portugueses (todos homens!) sobre a “vocação à maternidade” na qual querem continuar a fechar as mulheres, julgando-se preparados para falar da “especificidade feminina”, da “perda da sua identidade” que julgam estar hoje em causa (Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa, CEP, 14.11.2013). Obrigá-las a ser mães contra a vontade parece ser, pelos vistos, uma forma de reforçar essa identidade...

Em França, direita católica e extrema-direita saíram juntas à rua no domingo passado contra o casamento homossexual aprovado há menos de um ano. Acham que o governo é “familiofóbico”, “que continua a inclinar-se perante o lóbi LGBT [lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros]”, contra a “indiferenciação sexual”, contra essa “cadeia infernal” que constituem “a contraceção e o aborto” (Le Monde, 2.2.2014).

Na Rússia, legislação abertamente hostil aos homossexuais é imposta como forma de resistência, diz-se, à emergência de hábitos estranhos à sociedade, que ofendem a identidade russa. Como se os gays russos o fossem por imitar uma moda estrangeira, ou simplesmente viessem de Marte!

Identidade em vez de liberdade, invenção da tradição em vez de discussão racional dos problemas, moral em vez de política. No centenário da I Guerra Mundial e da inauguração da era do massacre, estamos a regressar à revolução conservadora que se começou a preparar nos anos que a precederam. Retoma-se o discurso rançoso de um sentido eterno da vida que se diz resultar da natureza, movido pela mesma rejeição do racionalismo que tomou conta dos antidemocratas de há cem anos. Todas estas direitas populistas, religiosas, neoconservadoras, estes reacionários de todas as cores que se lançam agora no combate contra a liberdade sexual e moral de quem procura (todos nós, afinal) a felicidade e a soberania na sua vida afetiva e reprodutiva, são os mesmos que há cem anos se lançaram contra a emancipação dos judeus e das minorias religiosas e étnicas, abrindo caminho direto para o fascismo e a perseguição racista. Esta gente atribui hoje o combate pela igualdade a complôs de lóbis gay ou de feministas que terão tomado conta das escolas e dos próprios governos, como antes se responsabilizavam os judeus. Os argumentos são hoje mais cuidados: a mesma Igreja que militou teimosamente, durante séculos, contra a plena cidadania das mulheres, que, na recusa da ordenação destas, se funda sobre a desigual dignidade de homens e mulheres, admite agora que “a mulher, não raramente, foi vítima de forte sujeição ao homem e sofreu alguma menorização social e cultural” (que fantástico eufemismo!), achando que, “graças a Deus, tais situações estão progressivamente a ser ultrapassadas” (Carta Pastoral..., 14.11.2013). Não graças à Igreja, isso de certeza! De autocrítica nem sombra!

Queixam-se os bispos de uma “autêntica revolução antropológica” que, segundo eles, estará em curso, e que “reflete um subjetivismo relativista levado ao extremo”. O que é visível é quererem lançar-se, de armas e bagagens, nesta nova revolução conservadora, arremetendo contra “esta época promíscua e lasciva” (J. César das Neves, DN, 13.1.2014). Tresandam ao tradicionalismo irracionalista de uma época, essa sim, feita de violência depuradora e tragédia universal.
 
*Historiador

o PSD existe?

Pois.. Não os percebo!
Falam, falam, fartam-se de criticar, mas, certo, certo, é que o sr. Passos voltou a ganhar (sem oposição!) a liderança desse triste partido a que (ainda?) pertencem ..

ver, a propósito: 
«Passos é o único candidato à liderança do PSD nas eleições que o partido realiza hoje»
 Lusa 25/01/2014 - 09:57 - aqui
«Passos Coelho já tinha dito que quer ser novamente candidato a primeiro-ministro em 2015.» -- cruzes, credo, abrenúncia!!!

 «É a diferença entre comer frango ou comer só sopa com pão» Manuela Ferreira Leite considerou inadmissível que o governo mexa nos rendimentos dos pensionistas e reformados sem ter analisado primeiro as consequências


Por: tvi24 / CLC
| 2014-02-06 23:46


Manuela Ferreira Leite diz que o governo desfez o sistema de Segurança Social. Esta quinta-feira, na TVI24 a antiga ministra das Finanças considerou inadmissível que o governo mexa nos rendimentos dos pensionistas e reformados sem ter analisado primeiro as consequências e sem ter a certeza de que as medidas são constitucionais. 

«Não discuto a necessidade de redução do défice, mas discuto seriamente o caminho para lá chegar, e o caminho através de medidas desta natureza, em que estamos a desfazer o sistema de segurança social, será um caminho contra o qual sempre estarei», disse a ex-ministra. 

Manuela Ferreira Leite criticou a polémica com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES), nomeadamente, os problemas informáticos encontrados para que seja aplicada. A ex-líder do PSD considerou a situação «surrealista» e que representa uma «falta de consideração, respeito, pelos pensionistas» e «que é preciso não ter a mínima das noções do que é que significa tirar ao pensionista determinado montante mensal», defendeu. 

«Para pessoas que contam aos euros por dia com que comem, pode significar comer um bocadito de frango ou comer só sopa com pão. Se as pessoas tivessem consciência disto não mexiam no modelo destes sem ter consciência de que não era possível mexer-se levianamente num sistema que toca com este tipo de pessoas», exemplificou Manuela Ferreira Leite.

fonte
 
------- ler também:
"Governo vê os reformados como buracos na estrada", diz Ferreira Leite

Antiga ministra das Finanças de Cavaco Silva lamenta que o Governo olhe para os reformados apenas como "despesa pública". ---aqui: http://expresso.sapo.pt/governo-ve-os-reformados-como-buracos-na-estrada-diz-ferreira-leite=f849893#ixzz2sdV5HpjQ

Miró-ilicitudes

no Jornal de Negócios,
04 Fevereiro 2014,

por Ana Luísa Marques | anamarques@negocios.pt

Os quadros de Miró, o genro de Aznar, o empréstimo incobrável e as extravagâncias de Oliveira e Costa*



img. retirada daqui
A história dos quadros de Joan Miró é antiga e tem o seu "epicentro" em Madrid. O assessor pessoal de Oliveira e Costa na capital espanhola foi, entre 2002 e 2008, Alejandro Agag Longo, genro do antigo primeiro-ministro Jose Maria Aznar. E terá sido através de um empréstimo incobrável de Longo que Oliveira e Costa obteve, como contrapartida, uma colecção de mais de 80 quadros do pintor catalão.
Os 85 quadros de Joan Miró, hoje nas mãos do Estado português através da Parvalorem e da Parups, sociedades criadas para gerir os créditos do BPN após a nacionalização do banco em 2008, "chegaram" a José de Oliveira e Costa, na altura presidente do Banco Português de Negócios, em 2006.

Quando criou o BPN em Madrid, o promotor do banco na capital espanhola foi Alejandro Agag Longo, genro do antigo primeiro-ministro, Jose Maria Aznar. E terá sido através de um empréstimo tornado incobrável que Oliveira e Costa obteve, como contrapartida, uma colecção de mais de 80 quadros de Miró, na altura, avaliada em 150 milhões de euros pela leiloeira Christie's. 

A 26 de Maio de 2009 - quase sete meses após a nacionalização do BPN - Oliveira e Costa afirmou que o negócio que permitiu à SLN ficar com os quadros do pintor espanhol Miró "era bom". A ideia do grupo era "ficar como o maior coleccionador privado do Miró". "O objectivo era ganhar mais de 100% nessa operação", adiantou, então, Oliveira Costa.

Alienar todos os "activos extravagantes"

Dois meses antes da nacionalização do banco – que teve lugar a 2 de Novembro de 2008 – a Sociedade Lusa de Negócios (SLN), dona do BPN, começou a promover a venda de activos da instituição.

A SLN – presidida na altura por Miguel Cadilhe – pretendia alienar todos os "activos extravagantes" da instituição: não só os quadros de Miró, mas também uma colecção de arte egípcia e um acervo de moedas evocativas do Euro 2004, avaliadas em 40 milhões de euros.

As obras de arte de Miró, que no balanço do grupo estavam registadas por 80 milhões de euros, seriam vendidas num leilão promovido por uma leiloeira internacional até ao final de 2008. Não aconteceu.

Com a nacionalização do BPN, as 85 obras de Miró ficaram nas mãos do Estado, sendo geridas pelas sociedades Parvalorem e Parups. Em 2012, Maria Luís Albuquerque, na altura secretária de Estado do Tesouro e Finanças, anunciou, no Parlamento, a intenção de alienar a colecção.   

O leilão das obras de arte deveria decorrer, esta terça e quarta, em Londres, na Christie's. Mas, à última da hora, a leiloeira cancelou o evento devido a incertezas legais.

"A venda da colecção de 85 obras de Joan Miró foi cancelada depois da disputa nos tribunais portugueses, na qual a Christie’s não é uma parte envolvida", indicou a leiloeira numa declaração enviada às redacções.

A decisão foi tomada apesar de o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa não ter acolhido a providência cautelar interposta pelo Ministério Público para travar a operação. "As incertezas legais criadas por esta disputa significam que não somos capazes de vender, com segurança, estas obras", aponta, contudo, aquela entidade no comunicado.

Estas dúvidas justificam-se pela argumentação utilizada no processo saído do Tribunal Administrativo, que considera que houve ilicitudes na ida das 85 obras de arte para Londres. 

As obras de Miró já não constam do site da leiloeira e já deverão ter sido retiradas das instalações da Christie’s. É, porém, desconhecido qual será agora o seu destino. 

fonte

* Oliveira e Costa: 
ex-Presidente do BPN;  
antigo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva

"Desencorajados"



daqui,

por Raquel Varela


Não há menos desemprego. Acordámos com as notícias do desemprego, em que cerca de 30 000 teriam emigrado e outros tantos estavam desencorajados, não iam à procura de emprego entrando na categoria dos inactivos disponíveis – deixam de fazer parte da população activa. São os desempregados que saem das estatísticas porque para procurar emprego é preciso dinheiro (para imprimir cvs, deslocar-se para ir a entrevistas, ter acesso à internet ou jornais, telefonar); porque as hipóteses de ter emprego aumentam se as pessoas têm saúde, dentes arranjados, estão bem vestidas, etc; porque para procurar emprego é preciso ter iniciativa e muita gente está paralisada pela depressão do desemprego; porque para procurar emprego é preciso ter que enfrentar propostas salariais que não justificam sair de casa como hoje é comum: um call center onde se ganha 6 dias por semana, 9 horas por dia, 480 euros. Basta juntar a alimentação e  viver num subúrbio com um passe social de 70 ou 80 euros para já não compensar trabalhar. Desencorajados é um eufemismo para um modelo económico que, pese embora tudo o que se produz a mais e cada vez mais facilmente, não garante às pessoas o mais básico direito, o direito ao trabalho, ao pão, à sobrevivência. Quanto mais o direito à poesia…

E por falar em poesia lembrei-me hoje de um dos nossos mais combativos poetas, semi analfabeto, António Aleixo, homem humilde, tecelão, servente de pedreiro, cauteleiro, encorajado.

Vós que lá do vosso império 
 Prometeis um mundo novo, 
Calai-vos, que pode o povo 
Qu’rer um mundo novo a sério. 
 .
António Aleixo