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20/02/14

O homem mais perigoso

14 de Novembro de 2013
 · em Rubra · http://www.revistarubra.org/?p=4345

Por Pedro Bravo 

O homem mais perigoso


Na política, não existe homem mais perigoso do que um artista frustrado. Ele, assim que alcança o mais ínfimo poder, vai exercê-lo no extremo absoluto da arbitrariedade, e a sociedade passa a ser o suporte e a matéria da sua obra inconfundível: criar um estado de coisas para a eternidade. 
de Roman Morhardt

Conhecemos bem estes tiranos! Apesar de terem sofrido da sua arte uma profunda rejeição, não deixaram de acreditar em si mesmos, aliás, guardaram até, contra tudo e contra todos e muito intimamente, uma elevada noção do seu valor. Paradoxalmente, a sua imagem especular é de tal modo frágil que tem de ser defendida de qualquer ataque; por isso, mesmo que desejem ser amados, receiam tanto o abandono que preferem ser temidos. Quando se rodeiam de maravilhados e oportunistas, não é por precisarem da comprovação constante do seu valor, até porque para isso têm o espectáculo do poder onde se confirmam, mas para se descartarem deles ao menor tédio e contrariedade. São implacáveis, hiperbólicos, epilépticos. Não temem o ridículo, crêem-se inspirados, divinos: acham-se artistas corajosos que não recuam perante nada, muito menos perante a crueldade e o horror. Finalmente, se acabam por concentrar em si mesmos o poder absoluto do Estado, justificam a indiferença que mereceu a sua arte com uma clara degenerescência do homem, com a decadência da sociedade. Então, já não exigem o reconhecimento do povo, mas a sua submissão incondicional. 

Mas há outro género de homens que quando entra na política, se revela igualmente perigoso, ainda que por razões diferentes. Chamam-lhes tecnocratas. São professores académicos de economia e finanças, administradores de bancos ou de fundos privados de investimento, e a sua vaidade, o seu orgulho, resulta de lhes ser gabada uma sabedoria muito restrita e particular. Encaram a sociedade como uma máquina, um modelo laboratorial, e fragmentam a vida entre variáveis que operam num regime estatístico e abstracto. Reduzem o debate político a dissertações técnicas sobre quocientes, indicadores, curvas e padrões, pois consideram sempre o modelo que aplicam como o fim da História. Desprezam completamente o sofrimento humano e remetem-no para taxas naturais de miséria e impotência. Não têm paciência para a realidade dos corpos, pois a sua pretensão moral sobre o mundo é fundada numa visão utilitária, objectiva e desinteressada do comportamento humano. Adoram eufemismos, provérbios sem graça e lugares-comuns. São cinzentos, secos e gélidos, e crêem ter sempre, sempre razão. Por isso, não precisam do reconhecimento do povo e, tal como aqueles pais que desprezam o reconhecimento amoroso do filho, dele só exigem cumprimento e responsabilidade. 

A verdade é que será sempre preferível lutar contra o poder de um artista frustrado do que contra o de um tecnocrata, e a razão é muito simples: quando se consegue afastar um tecnocrata do seu lugar de poder, logo se oferecem outros dois para o substituir; pelo menos, ao artista frustrado, sempre nos livramos dele quando lhe cortamos a cabeça. Irra, o diabo nos livre desta gente! 


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