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20/02/14

Força, Amigo!


Fernando Tordo tem hoje 65 anos. 
Emigrou agora para o Brasil e eu admiro a sua coragem.
Desejo-lhe tudo de bom!



as canções de Fernando Tordo:

http://www.fernandotordo.com/ 
.

Carta ao pai 

pelo escritor João Tordo,
em 19.02.14

«Ontem, o meu pai foi-se embora. Não foi e já volta; emigrou para o Recife e deixou este país, onde nasceu e onde viveu durante 65 anos. A sua reforma seria, por cá, de duzentos e poucos euros, mais uma pequena reforma da Sociedade Portuguesa de Autores que tem servido, durante os últimos anos, para pagar o carro onde se deslocava por Lisboa e para os concertos que foi dando pelo país. Nesses concertos teve salas cheias, meio-cheias e, por vezes, quase vazias; fê-lo sempre (era o seu trabalho) com um sorriso nos lábios e boa disposição, ganhando à bilheteira.Ontem, quando me deitei, senti-me triste. E, ao mesmo tempo, senti-me feliz. Triste, porque o mais normal é que os filhos emigrem e não os pais (mas talvez Portugal tenha sido capaz, nos últimos anos, de conseguir baralhar essa tendência). Feliz, porque admiro-lhe a coragem de começar outra vez num país que quase desconhece (e onde quase o desconhecem), partindo animado pelas coisas novas que irá encontrar. Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo. Acontece que o meu pai, quer se goste ou não da música que fez, foi uma figura conhecida desde muito novo e, portanto, a sua partida, que ele se limitou a anunciar no Facebook, onde mantinha contacto regular com os amigos e admiradores, acabou por se tornar mediática. E é essa a razão pela qual escrevo: porque, quase sem o querer, li alguns dos comentários à sua partida. Muita gente se despediu com palavras de encorajamento. Outros, contudo, mandaram-no para Cuba. Ou para a Coreia do Norte. Ou disseram que já devia ter emigrado há muito. Que só faz falta quem cá está. Chamam-lhe palavrões dos duros. Associam-no à política, de que se dissociou activamente há décadas (enquanto lá esteve contribuiu, à sua modesta maneira, com outros músicos, escritores, cineastas e artistas, para a libertação de um povo). E perguntaram o que iria fazer: limpar WC's e cozinhas? Usufruir da reforma dourada? Agarrar um "tacho" proporcionado pelos "amiguinhos"? Houve até um que, com ironia insuspeita, lhe pediu que "deixasse cá a reforma". Os duzentos e tal euros. Eu entendo o desamor. Sempre o entendi; é natural, ainda mais natural quando vivemos como vivemos e onde vivemos e com as dificuldades por que passamos. O que eu não entendo é o ódio. O meu pai, que é uma pessoa cheia de defeitos como todos nós - e como todos os autores destes singelos insultos -, fez aquilo que lhe restava fazer. Quer se queira, quer não, ele faz parte da história da música em Portugal. Sozinho, ou com Ary dos Santos, ou para algumas das vozes mais apreciadas do público de hoje - Carminho, Carlos do Carmo, Marisa, são incontáveis - fez alguns dos temas que irão perdurar enquanto nos for permitido ouvir música. Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece. Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC's e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha. Os nossos governantes têm-se preparado para anunciar, contentíssimos, que a crise acabou, esquecendo-se de dizer tudo o que acabou com ela. A primeira coisa foi a cultura, que é o património de um país. A segunda foi a felicidade, que está ausente dos rostos de quem anda na rua todos os dias. A terceira foi a esperança. E a quarta foi o meu pai, e outros como ele, que se recusam a ser governados por gente que fez tudo para dar cabo deste país - do país que ele, e milhões de pessoas como ele, cheias de defeitos, quiseram construir: um país melhor para os filhos e para os netos. Fracassaram nesse propósito; enganaram-se ao pensarem que podíamos mudar. Não queremos mudar. Queremos esta miséria, admitimo-la, deixamos passar. E alguns de nós até aí estão para insultar, do conforto dos seus sofás, quem, por não ter trabalho aqui - e precisar de trabalhar para, aos 65 anos, não se transformar num fantasma ou num pedinte - pegou nas malas e numa guitarra e se foi embora. Ontem, ao deitar-me, imaginei-o dentro do avião, sozinho, a sonhar com o futuro; bem-disposto, com um sorriso nos lábios. Eu vou ter muitas saudades dele, mas sou suspeito. Dói-me saber que, ontem, o meu pai se foi embora. » 
retirada daqui: http://joaotordo.blogs.sapo.pt/carta-ao-pai-129182 
 *
de Fernando Tordo,

Carta ao meu filho João. 


Magoaram-te. Não a mim, cinquenta anos de tudo e mais alguma coisa. Magoaram-te porque achas estranho que se diga de um tipo, que para mais conheces bem, o que algumas pessoas disseram e continuarão a dizer. Perante a tua carta que a Eugénia e teu irmão Francisco Maria me encaminharam, o que é fica? Tentação de devolver os insultos com o vernáculo que bem me conheces e és admirador? Não. O que fica, meu querido filho, é a tua carta. 

Tenho tanto que fazer, aqui. Por todos vocês. ( grande fotografia que a tua irmã Joana me mandou ) ela e os meus netos, aqueles sorrisos. 

Não entristeças, João. Temos dado o melhor de nós e isso não admite gentinha; só aceita dignidade e respeito por vidas que se dedicaram e dedicam não porque têm talento, mas sim porque têm aquele mistério revelado de poderem escrever uma carta como a tua. 
Beijo do teu pai 
fernando. 
fonte
 *
de Fernando Tordo,
texto retirado da sua página pessoal no facebook:

«Amigos.
Tive a intenção de informar, e agradeço as centenas de comentários que foram feitos por vós, mesmo aqueles que de forma mais ou menos dura se referem a esta minha saída do nosso País. Quase todos saberão que tenho mulher, filhos, netos, amigos e uma obra vasta na Música da nossa terra. Não seria para mim minimamente sensato abandonar tudo, pessoas e trabalho, 65 anos de vida e 50 de profissão. ----- ler mais

21/10/12

um adeus .. até sempre


.. numa carta muito bonita, como só um amigo ..


Público de 21.10.12

Obrigado, Pina, por tudo e... por nada

Por José Alberto Lemos ________________________________________

Foi numa daquelas curvas em que o PREC acelerou que começámos a andar juntos. Sim, a andar juntos, não brinco com as palavras. Como ousaria fazê-lo num texto para ti, que brincavas com as palavras como ninguém? Numa daquelas curvas em que víamos sempre um "salto qualitativo" na "revolução". Após essa curva passámos a partilhar todos os entusiasmos e loucuras do PREC. Desde a pícara defesa da sede da pequena "confraria" a que pertencíamos, até ao olhar sarcástico sobre alguns personagens. Até que o PREC um dia acelerou tanto que se esborrachou contra a parede. Gostavas sempre de citar o Chico Cordeiro que, no dia seguinte ao "final da Taça MFA", como alguém classificou o PREC, consolou a malta que se lamuriava no Piolho. "Deixem lá, camaradas, anito e meio de anarquia já ninguém nos tira". 

Foi melhor assim, claro, todos sabemos, excepto no que toca à matéria incandescente que aquele anito e meio forneceu à tua imaginação. Sim, porque no fundo tu olhavas para aquilo tudo como um romance ao vivo, a desenrolar-se perante os nossos olhos. Com juras de fidelidade, amores traídos, heróis de vão de escada, idiotas úteis e cínicos ansiosos por desembainhar as facas. Um manancial para o teu sentido de humor. 

No fundo aquilo era uma saga por que te tinhas apaixonado, como anos mais tarde te apaixonaste pelas sagas islandesas. "Que pedrada, pá!". Nada como um grande livro para produzir uma verdadeira pedrada. A única coisa que se lhe comparava era o Avamigran quando as enxaquecas atacavam. Aquilo sim, aquilo era o teu mundo, o mundo das palavras, daquelas palavras de que, por vezes, andavas à procura semanas, meses, para um poema. "Esta noite encontrei a palavra que procurava", dizias, com um brilhozinho nos olhos. "As palavras criam mundos". 

Desse anito e meio de anarquia sobrou um pouco de nostalgia, sobretudo pelo lado da subversão que tanto te atraía. Um entusiasmo pontual pela candidatura do Otelo e uma persistência militante pela Gazeta da Semana, o sonho de um "Libé" à nossa moda e escala. "Não emprestes a Gazeta a ninguém. Quem quiser ler que a compre". 

A subversão, sim. O país das pessoas de pernas para o ar estava-te no sangue. E na escrita, claro. Mas da escrita outros falarão melhor do que eu. Eu quero falar do entusiasmo com que víamos o Truffaut, o Hitchcock, o Minnelli, o Ford, o Hawks, o Mankiewicz ("os grandes argumentos do Mankiewicz"), o Capra, os grandes melodramas - do Mildred Pierce ao Some Came Running da deslumbrante Shirley Maclaine e do chapéu do Dean Martin, as grandes comédias, o Billy Wilder e o cínico Walter Matthau, o Groucho, o Fuller e, claro, A Sombra do Caçador, o teu preferido. Sem esquecer Os Contos da Lua Vaga, do Mizoguchi. Alguns vimo-los em salas quase vazias e geladas. Preferíamos, aliás, as salas vazias, mesmo antes de haver pipocas. Depois havia as estreias do Woody Allen ou do Scorsese ou do Coppola à sexta-feira, quando acelerávamos o fecho do jornal para ir à sessão da meia-noite. E havia ainda, claro, aqueles filmes que nunca verias e que despachavas com o célebre "não vi e não gostei". Foi contigo que aprendi a amar verdadeiramente o cinema. 

Sim, porque o cinema era uma verdadeira paixão, tal como a literatura. As outras coisas eram entusiasmos fortes, mas efémeros. Como o entusiasmo com que acolhemos o primeiro número do JL, onde tinhas uma grande entrevista com o Siza. Ou o entusiasmo com que me telefonaste para Londres, a pedir para trazer "todos os discos da Laurie Anderson". Ou o entusiasmo com que frequentaste o karaté, onde o mestre do vietvodao te ensinou uns magueris. Outros eram talvez mais duradouros, como a pintura da Vieira da Silva ou da Graça Morais. 

Sempre gostámos da noite. Deambulávamos pela cidade no Dyane, a conversar, a contar estórias, a brincar com as palavras, conduzidos pela tua imaginação, à espera que a noite nos surpreendesse. E, por vezes, acontecia. Como naquela madrugada em que num nó da auto-estrada vimos um carro capotar à nossa frente. Coisa sem consequências, mas a nossa moral kantiana obrigou-nos a dar boleia a uma jovem que fazia "strip-tease no Il Mondo" e que, apesar de fanhosa, se fartou de contar estórias pouco abonatórias dos companheiros de infortúnio. Foi o neo-realismo a entrar-nos pela noite. Já passava das quatro da manhã, mas disseste logo que irias acordar a Fátima para lhe contar a ocorrência. Foi quase um atropelamento e fuga. 

Detestavas viajar, mas por vezes lá ias em serviço do jornal e ficávamos à espera daquelas crónicas mordazes. Na Coreia, arrasaste um idiota que passou pelos Negócios Estrangeiros e nos Açores já nem me lembro de quem foi a vítima, mas lembro-me que nunca mais se recompôs. Na política, claro. 

Detestavas viajar, mas por vezes lá tínhamos que ir a Lisboa como conselheiros de redacção. Aproveitávamos para almoçar com a malta de O Jornal e rir com o Assis Pacheco. Tu e ele juntos eram uma torrente de estórias e de humor que chegava a perturbar a digestão. 

Detestavas viajar, mas uma vez quiseste ir a Lisboa ver o Chick Corea. E lá fomos na carrinha nova, confortável, um carro a sério. Íamos ficar todos a dormir em casa de um amigo, mas quiseste regressar ao Porto. Que aguentavas a viagem, que não estavas cansado, que nós podíamos dormir pelo caminho. Numa estrada ainda sem auto-estrada e onde o perigo sempre espreitava (desculpa, esta frase parece aqueles poemas que jovens atrevidos te traziam para avaliares e onde água rimava sempre com mágoa e amor com fulgor) quando acordei, o dia já tinha nascido e estávamos parados frente ao Cine Messias da Mealhada. Chegámos ao Porto às nove da manhã. 

Detestavas também que publicassem a tua fotografia no jornal sempre que saía um livro. Uma vez saiu uma "chapola" maior que o texto sobre o livro. Mas o incidente teve uma virtude. A sogra do Esteves tresleu o texto e, ao olhar para aquela foto, desabafou: "Coitado, era bom rapaz. Era amigo do meu genro". Foi o argumento de que precisavas para convencer os chefes de redacção a não publicar mais fotos tuas. Hoje, ontem, os jornais estão cheios de fotos tuas. 

Hoje, desgraçadamente, o desabafo da sogra do Esteves teria sentido. Hoje as fotos são grandes, mas os textos são ainda maiores e, por maiores que sejam, nunca caberias neles. Porque a simplicidade com que viveste, a modéstia genuína que te caracterizava, contrastavam em absoluto com a grandeza do teu talento e a nobreza do teu carácter. 

É a esse talento e a esse carácter que tenho que agradecer. Que temos todos que agradecer. Sobretudo aquela geração de jovens que entrou para o Jornal de Notícias em 1980 e que tanto aprendeu contigo. Para quem já era teu amigo, como eu, passar a trabalhar ao teu lado foi um privilégio ainda maior. Não tenho procuração de ninguém, mas sei que marcaste profundamente todos aqueles com quem trabalhaste naquela redacção. Mais novos e mais velhos, todos olhávamos para ti como alguém cujo talento nunca atingiríamos por muito competentes jornalistas que nos tornássemos, mas também com o orgulho de ter ao nosso lado alguém como tu. Os jornais de hoje podem acabar a embrulhar peixe, como recorrentemente lembravas num exercício pedagógico para refrear alguns egos, mas tu ficarás para sempre connosco. Tu és nosso património, do jornalismo, da cidade, do país e da literatura. 

A esse talento e a esse carácter devo muito daquilo que sei, muito daquilo que sou. Até na forma obsessiva como falavas das "miúdas" comecei a aprender o que seria ser pai. 

Por isso, Pina, se hoje as nossas lágrimas estavam a precisar de uma grande razão, tu acabaste de no-la dar. Uma razão do tamanho do mundo e uma dor que não cabe nele. 

Como escreveste no Waste Land, do Eliot, que ofereceste à Luísa antes de uma partida para Londres: obrigado, por tudo e... por nada.


Recordar o poeta e jornalista Manuel António Pina - vídeo RTP-notícias :

13/02/12

«E falam-me de revisão curricular?»


recebido via e-mail:

E falam-me de revisão curricular?
Um dia cinzento…professor... Para mim um dia triste, coberto de indignação, revolta, medo,  impotência e desolação.
M. Duchamp, descending a staircase
Ontem, em frente à Escola EB 2/3 Padre António Luís Moreira, nos Carvalhos – Vila Nova de Gaia, um Professor de Matemática, de 63 anos, foi violentamente agredido por três indivíduos de etnia cigana. Não. Não agrediu nenhum aluno. Não foi incorrecto com ninguém, nem tão pouco falou mais alto. O exemplo de civismo, educação, correcção e profissionalismo é a descrição deste nosso colega. Apenas mandou que uma aluna de etnia cigana se retirasse da sala onde entrou sem autorização e sem educação. Motivo este bastante para que a aluna comunicasse com os familiares que de forma selvagem se encarregaram do “ajuste de contas”.

Sou professora e tenho também alunos de etnia cigana. Terei provavelmente princípios de educação e civismo semelhantes aos da maior parte dos professores, como este colega. Corrijo todos os dias os comportamentos e atitudes que considero despropositados. Trato todos os alunos de igual forma, tendo como principio a igualdade de que todos falam com a “boca cheia”. Igualdade essa de direitos, mas também de deveres. Sim, porque não pensem que a igualdade só serve para ter direitos! O cumprimento das regras de civismo e respeito também fazem parte. E se um dos meus alunos achar que “cuspir em cima das secretárias” é um direito que ele tem? Isso vai contra o meu entendimento de respeito e educação e, como tal terei de informá-lo da necessidade de limpar a secretária que é de todos. Se a moda pega, terei com toda a certeza de pedir protecção policial para sair da escola.

Cada vez que tento visualizar a situação de agressão a que foi sujeito este professor, fico completamente de rastos, desmoralizada e sem motivação alguma para continuar a fazer aquilo que escolhi há muitos anos.

E falam-me em revisão curricular??
Podem fazê-las todas e todos os anos! Não é aí que se encontra o “cancro” da Escola/Educação. Podem aumentar as cargas horárias todas que quiserem! Os alunos não vão saber mais por isso. É o mesmo que tentar tratar o doente com a medicação errada.

A indisciplina grassa em grande escala e em percurso crescente na maior parte dos estabelecimentos de ensino do nosso país. É mais ou menos camuflada, numas ou noutras escolas, por interesses vários, desde directores a ministros. Mas está instaurada e cada vez com maior número de aderentes. A nós pouco nos resta fazer. Tentamos de todas as formas, nunca infringindo a lei ou ferindo os tão apregoados direitos do aluno, proteger os poucos que sabem para que serve a Escola, o Professor e a Educação. Mesmo correndo algum risco de, segundo os entendidos, traumatizar as crianças, ainda elevamos o tom de voz ou castigamos um ou outro aluno, na tentativa, quase inglória, de “salvar” mais um.

Sabendo que a missão primeira de educar compete aos pais e sabendo que poderemos ser verbalmente e fisicamente agredidos, arriscamos e transmitimos, sempre que achamos premente, os valores e princípios que os nossos alunos não trazem de casa, corrigimos atitudes, somos pai e mãe sempre que necessário. Recebemos mensagens escritas dos encarregados de educação revelando uma falta de respeito, educação e desconhecimento atroz, porque cansamos o seu educando com os trabalhos de casa. Somos ameaçados pelos pais e familiares dos alunos a quem dizemos que é necessário um caderno e uma caneta para escrever e que esse material é muito mais importante numa sala de aula do que um telemóvel…

E falam-me em revisão curricular??…

Não aguento mais medidas sem sentido e de nenhum efeito. Um médico não receita sem saber qual é o mal de um doente, ou não deveria fazê-lo.

Então como se quer tratar a Escola/Educação sem antes perceber, analisar, verificar onde está realmente o grande, imenso problema?

  • É urgente e inadiável impor a disciplina nas escolas portuguesas.
  • É urgente e inadiável que se percebam as diferenças de direitos e deveres entre um adulto e uma criança.
  • É urgente e inadiável que um professor possa ensinar quem quer realmente aprender.
  • É urgente e inadiável que o medo deixe de ser uma sombra permanente sobre as cabeças dos docentes do nosso país.
  • É urgente e inadiável que possamos intervir assertivamente e no imediato em situações que estão no limiar do humanamente suportável.
  • É urgente e inadiável que o respeito e educação que exijo aos meus filhos, possa exigir da mesma forma aos meus alunos.

E falam-me de revisão curricular??

É inadmissível que o professor seja obrigado a engolir os insultos de um aluno que tem mais ou menos a idade dos seus filhos quando em sua casa isso não é minimamente tolerável.

Não pensem que quero “a menina dos cinco olhinhos”. Não. Apenas penso que fomos exactamente para o outro extremo. Quase que me apetece dizer que se vive uma anarquia nas escolas. Gritar fere a sensibilidade das crianças, mas falar baixo não resulta pois estas não sabem estar caladas. Uma bofetada ou puxão de orelhas? Completamente desadequado. Isso só com os nossos filhos surte efeito. Aos nossos alunos traumatiza e marca para toda a vida. Talvez seja por isso, por tantos traumas destes, que a nossa geração cresceu, formou-se, trabalha e não espera que nenhum subsídio seja criado e nenhuma casa lhe seja oferecida.

Os meus vinte e cinco anos de serviço não me ensinaram a viver uma escola em que importa apenas que as crianças sejam muito felizes e acreditem que a vida é super fácil; que o trabalhar é apenas para os “totós”, pois a preguiça compensa e de uma forma ou de outra todos conseguirão fazer a escola; que independentemente de cumprirmos as regras teremos sempre direitos; que pudemos ofender de todas as formas possíveis e agredir sempre, pois o pior que poderá acontecer são uns dias de “férias” em casa; que de uma forma ou de outra, a culpa é sempre do professor.

O nosso colega está em casa, depois de uma tarde nas urgências do hospital, com cortes no rosto e muitos hematomas. Tenho o estômago embrulhado e um nó na garganta. Uma vida inteira dedicada a ensinar e a formar um futuro melhor para o nosso país é desta forma agraciada quase no fim da sua carreira. E quem está a ler e a sentir-se da mesma forma que eu perguntará: “ E a escola não age?” E eu digo-vos qual é a resposta: “Foi fora do recinto escolar.” Gostaram? Conseguem imaginar como será o estado de espírito deste professor de matemática? Já não falo das marcas físicas e das dores que deve ter, pois foram muitos pontapés e murros covardemente dados por três homens na casa dos vinte anos. Covardemente por serem três a agredirem um senhor de sessenta e três anos. Falo na dor psicológica, uma dor que não passa com analgésicos, que vai lá ficar muito tempo. Será a recordação mais viva que terá da sua longa carreira que está quase no final. Aqui fica a medalha de “cortiça” que recebe pela sua dedicação e entrega à escola e aos alunos. No final apenas fica o amargo de boca de quem tem consciência de que fez o melhor trabalho que pode, que entregou a melhor parte da sua vida e juventude aos seus alunos, que exerceu com toda a dignidade a sua profissão, respeitando sempre todos, engrandecendo o conhecimento de muitos.

Resta-me dizer que este dia cinzento tem toda a razão de ser e todos os professores se sentirão exactamente neste cinzento que porventura será a cor que melhor define os sentimentos de quem neste momento consegue imaginar-se no lugar deste professor.

Maria do Rosário Meireles Cunha
Professora na Escola EB 2/3 de Olival

06/01/12

"Le creux de la vague"

recebido via e-mail:

pessoal, junto envio uma carta do Zé Mário dirigida ao 15 O e um comentário meu sobre o conteúdo da mesma, remetido a quem me deu a carta a conhecer
abraços

Meus caros, o Zé Mário diz coisas muito acertadas que, para os mais novos podem parecer derrotistas. Mas não são.
É preciso pensar no mundo de hoje, nas suas características, do capitalismo, do poder, da "soberania" e de nós próprios. Muitos de nós ainda não chegaram a 2012 em termos políticos, organizativos e de compreensão da realidade; há quem viva no pós-guerra, outros no PREC, outros no mundo dos sonhos. Falta essencialmente suor - aprender, aprender, aprender e, ir muito para além do FB, do email, das leituras em diagonal, do telejornal emitido pela caixa que embrutece o mundo, da repetição da lógica e da prática da "esquerda" institucional
Essa colagem à agenda dessa "esquerda", a convivência na Plataforma com pessoal que sofre dos seus tiques (ou obedece aos seus controleiros) irá estiolar o 15 O; recordo a insanidade política de quem disse publicamente ir construir um novo partido e contar com pessoal que anda nas Acampadas e no 15 O, forma excelente de lançar desconfiança sobre a Plataforma.
Fazer manifs regularmente, sem um projecto político claro, democrático, capaz de anular a influência do sistema, nomeadamente através dos seus "infiltrados" ou coniventes ideológicos é, manifestamente curto. É um suor que seca depressa
No princípio dos anos 80 convidaram-me a integrar a UDP e eu respondi que a diferença entre a dita cuja e o PC é que quando este exigia um dia de greve, a UDP pedia três. A maior quantidade nem sempre gera mudança de qualidade

Cito o Zé Mário: "- ou perderam em radicalidade o que ganharam em "realismo", que é o eufemismo que usam para designar a capitulação e a adaptação ao capitalismo;
- ou se confinaram e estiolaram em pequenos grupúsculos, seitas e partidecos que, perdendo o contacto com o real, se satisfazem autofagicamente a proclamar verdades definitivas, directivas infalíveis para as massas e são totalmente incapazes de viverem hoje do modo como dizem querer que seja a sociedade de amanhã, prefigurando-a desde já em si mesmos"
Quem esteve no dia 15 O em S. Bento ouviu decerto as propostas reformistas (a auditoria, por exemplo) ou panfletárias (nacionalizações). E na Plataforma há muito pessoal que joga em naipes desse baralho.
As verdades constroem-se no diálogo, na diversidade, entre quem esteja disposto a aprender com o outro, de espíritos livres. Salvo raras excepções, o pessoal com espírito e pertença a partidos só conhece a Verdade e portanto não são os elementos mais aptos ao diálogo e a aprender; o seu papel reduz-se ao controlo e à arregimentação de gente para o engrandecimento da Causa.
Se querem entrar o diálogo com outros, dispam-se da partidarite e actuem fraternalmente com os "não organizados". Os partidos são um produto histórico cujas virtualidades acabaram com a extrema complexidade da realidade actual, que não cabe dentro de nenhum partido, como se chegou a pretender; nem as pessoas, pelo seu grau de conhecimentos, distantes dos proletários analfabetos de antes, estão assim tão dispostas a aceitar disciplinas e imposições de ungidos.
É preciso discutir política antes e como suporte à ação; colar cartazes ou fazer pichagens é interessante, gera adrenalina mas é um instrumento, não um objectivo.

SE tiverem paciência vejam:
Para um novo paradigma político; a re-criação da democracia

abraços
VL



José Mário Branco, músico e poeta

Tenho acompanhado com interesse, evidentemente, todas as tentativas e experiências que têm vindo a ser feitas por todo o mundo na sequência da "primavera" do Cairo. Mas na minha experiência há um sarro do passado.
Meti-me na política aos 17 anos, estive preso pela PIDE, fugi para França em 1963 e voltei em 1974. Desde 64-65 e até há poucos anos, estive sempre ligado à extrema-esquerda de inspiração maoista. Como não sou realmente um político, mas sim músico, letrista e cantor, nessas pertenças e fidelidades fui sempre guiado por duas coisas:
- os grandes valores que, num artista, naturalmente convocam um lastro de radicalidade e, por outro lado,
- a fidelidade a homens políticos cujos escritos e posições públicas me foram parecendo melhor exprimir politicamente essa radicalidade.
O que me levou a ir entrando e saindo de colectivos onde me sentia em casa. Mas como afirmei pouco antes de deixar o último, que ajudei a fundar: "eu nunca saí de partido nenhum, os partidos é que foram saindo de mim".
As organizações políticas em que participei foram saindo de mim por duas razões principais, e supostamente opostas embora me pareça que são a mesma razão com sinais inversos, razões essas que nada têm de novas porque já vêm desde o último quartel do séc. XIX:
- ou perderam em radicalidade o que ganharam em "realismo", que é o eufemismo que usam para designar a capitulação e a adaptação ao capitalismo;
- ou se confinaram e estiolaram em pequenos grupúsculos, seitas e partidecos que, perdendo o contacto com o real, se satisfazem autofagicamente a proclamar verdades definitivas, directivas infalíveis para as massas e são totalmente incapazes de viverem hoje do modo como dizem querer que seja a sociedade de amanhã, prefigurando-a desde já em si mesmos.

A história da Praça Tahrir é diferente, e eu, que vivi o Maio 68 em Paris e o PREC em Portugal, regozijei-me, como toda a gente de bem, por mais uma queda de um ditador conseguida pelo clamor e pela coragem das ruas. Tempos novos, formas de luta novas.
Tenho tentado reflectir sobre isso e o seu alcance, à luz da única coisa que mantenho bem viva: a minha recusa da iniquidade do capitalismo, a minha exigência de "outra coisa" que "essa é que é linda" (ver, por exemplo, http://passapalavra.info/?p=40478).
Mantenho também um interesse continuado - mas forçosamente à distância - pelos poderosos movimentos sociais de base do povo pobre do Brasil, da Argentina, do México, e de outros países, que têm vindo a lutar por coisas essenciais como terra para cultivar, tecto para se abrigar, direito à água, à cidade, ao trabalho, ao descanso, etc.
Estes, só posso segui-los à distância porque, em Portugal, há tanto tempo que não há nada que se pareça; o povo parece apático, cheio de medo, sem raiva nem desconcerto, sempre bem enquadrado por uma elite de burocratas que há 30 anos o fazem gritar que "o custo de vida aumenta, o povo não aguenta" e a classe dominante a rir-se lá em casa respondendo "aguenta sim senhor, a prova é que gritam o mesmo há 30 anos!".
Convenço-me de que, neste longo caminho aos sacões, deixou de haver - por muito tempo - lugar para generalidades, para proclamações (gerais), para grandes desígnios colectivos. Há lugar, sim, para lutar começando pelo que está perto, pelo que está em baixo, pelo que está agora: o que está mal na minha casa, no meu prédio, no meu bairro; o que está mal na minha empresa, onde por definição não existe democracia, mas que é o centro da minha sobrevivência; na minha escola, seja eu aluno (força de trabalho em formação) seja eu professor (formador de força de trabalho), aquele o produto, este o produtor. Um período que será longo, de lutas defensivas e de lenta reacumulação de forças. O selo de qualidade daquilo a que se chama "lutas" é agora, para mim, a sua concretude, porque a maior parte daqueles que se dizem militantes confundem acção com actividade - e não é de agora.

Plataformas como a 15O são somatórios que só podem ter o peso que é, no melhor dos casos, a soma do peso das suas parcelas. O mesmo direi do que poderão ser o 21 de Janeiro e outras datas afins. O grande erro - parece-me - é que quase toda a gente pensa "o que é que eu vou lá buscar?", quando deveriam pensar "o que é que eu vou lá levar?". É como nos grupos artísticos: a criação colectiva resulta do que se vai pondo na cesta comum ao longo dos dias, esses dias em que parece não se passar nada. É esta a minha visão, completamente wilhelm-reichiana.

E isto passa-se mais assim nas revoltas de "classe média" do que propriamente nas revoltas dos pobres-mesmo-pobres. E acho que percebi porquê. É que, contrariamente aos pobres cuja vida toda é dar sem receber, as "classes médias", que têm ainda muito a perder, não sabem como se pratica o verso de Fernando Pessoa: "Só guardamos o que demos". Duvido até que o compreendam. Por isso "vão lá buscar", em vez de "irem lá levar".

Para o capitalismo, ou antes, para os capitalistas, a produção de bens imateriais (serviços, cultura, lazer) tornou-se desde há muito uma produção em massa para uma massa de consumidores (que são, em grande parte, os seus produtores), como se fossem pão, detergentes, casas ou carros. Mas a "classe média", que está a sofrer um lento processo de proletarização, tem vindo a ser proletarizada (incluindo os profissionais liberais - advogados, médicos, professores, artistas plásticos ou performativos) mas ainda não teve tempo nem experiência para deixar de ser pequeno-burguesa - individualista, idealista, socialmente apática e pusilânime.

[NOTA: eu não estou a afirmar que os proletários têm consciência proletária, bem pelo contrário, infelizmente a esmagadora maioria deles está também impregnada de uma cultura e de uma moral burguesa que lhes é injectada em doses cavalares a toda a hora; mas a própria vida prática se encarrega de lhes tornar evidente a classe a que pertencem; só que, não vislumbrado como sair disso, não se arriscam.]

Daí que, nas acampadas, haja aquele ar de carnaval sociocultural, onde se fala de coisas muito sérias, o que é bom, mas onde o carburante são as palavras em si mesmas, e não o gesto. Não é radicalidade, mas sim e apenas uma transgressão, uma aparência de radicalidade. Vou para o meio de uma praça, levo à boca as mãos em concha e grito "Quero mudar o mundo!"; mas as formiguinhas vão passando de lado, no seu afã de escravas; só fica, eventualmente, quem não precisa de fazer o gesto imediato da sobrevivência. Passe a conversa à Raúl Brandão... mas estou enganado?

O meu tema actual - que, como a palavra indica, está cheio de promessas - é o vazio. "Le creux de la vague". Não, ainda, o súbito recuo do mar na praia antes do tsunami, mas um intervalo côncavo de duração não mensurável entre dois ciclos históricos. Não creio que se possa descer mais fundo, e isso dá-me esperança. É preciso que a juventude "média" dê o salto para o lado de lá, onde estão os pobres a sofrer, muito calados, sem (des)tino. "Vou ao fundo da lama / Do outro lado / Do outro lado da mente / Do outro lado da gente / Do lado da gente do outro lado / Do lado da gente que vive de frente / Da gente que vive o futuro presente" (Margem de Certa Maneira, 1972 (!!!)).

Por isso... talvez apareça, não prometo. Estou a tratar do que está aqui perto: fazer música e mais música, inventar novas canções, novos espectáculos, ajudar outros músicos a serem melhores. Ler e ouvir música. Cantar de vez em quando as canções que tenho para dar ao público. É isso.
JMB