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10/02/14

Papéis no bolso

Bom .. pela minha parte, só pagarei impostos "com um sorriso nos lábios" quando, para além de justiça na sua aplicação, para além de contenção séria nas despesas dos governantes e da AR, vir (como parece que vêem os suecos..) os serviços públicos implementados de forma generalizada e a funcionarem "às mil maravilhas"!
 

Público, aqui
10/02/2014

por Rui Tavares 

Papéis no bolso

A Praça do Comércio tem desde há uns tempos um urinol de luxo, desenhado por uma marca de papel higiénico conhecida. A utilização custou 50 cêntimos, se bem me lembro, da única vez que tive de o usar. À saída, perguntaram-me: "Quer fatura com número de contribuinte"? O utilizador fica com a bexiga mais aliviada e com mais um papel no bolso. 

Saí dali a pensar qual seria a reação de um turista de um desses países onde se paga tanto ou mais impostos do que em Portugal, não há os mesmos problemas de evasão fiscal e, no entanto, ninguém está sempre a pedir e a entregar faturas. Nesses países raramente se dá o número de contribuinte, a não ser para compras de montantes elevados. Comprar o jornal e o café resulta, se tanto, na emissão de um recibo de caixa. Pagar impostos em alguns destes países é quase invisível — embora não seja indolor. 

O exemplo costumeiro é o da Suécia, onde os indivíduos podem pagar até 60% de imposto (entre taxas municipais, sobre o trabalho ou sobre rendimentos de capital) e o IRC pode ir até 30%. No entanto, mais de 80% dos suecos dizem confiar muito na agência estatal que recolhe os impostos. Em 2013, esta agência, chamada Skatteverket, ficou em segundo lugar na lista das instituições mais respeitadas do país, apenas atrás da agência de proteção dos direitos dos consumidores. Os suecos pagam muito, mas pagam todos, e sentem que todos pagam de forma justa. Por isso, e porque são compensados por ótimos serviços públicos, não se importam de pagar. 

Pode dizer-se que a atitude perante os impostos na Suécia é o resultado de uma cultura que tem já várias gerações. É provavelmente verdade. 

O problema é que o Governo está a destruir qualquer hipótese de, em Portugal, virmos a ter uma cultura e um sistema fiscal decentes. Ao mesmo tempo que pretende transformar o país num autêntico off-shore para o IRC, alegando mesmo que quer competir com a Irlanda, tenta dar uma impressão de hiperatividade junto do cidadão comum, primeiro com multas para quem não pedir fatura, agora com prémios ridículos e antipedagógicos: carros de "alta gama" a sortear para quem acumular montantes mais altos em faturas pedidas. 

E não me venham dizer isto é apenas o primeiro passo, que é preciso "começar por algum lado". Tudo isto é o contrário do que deveria ser feito. Não é com a fatura do café da esquina que se combate a evasão fiscal legal que as nossas 20 maiores empresas praticam impunemente todos os dias para as suas sedes fictícias na Holanda. 

Portugal precisa de impostos mais progressivos. Precisa de lidar duramente com as empresas que tenham "sedes de apartado" na Holanda, não lhes dando vantagens nas relações com o Estado, de compras da administração a concursos públicos. E precisa de reintroduzir um imposto sucessório com isenção até um milhão de euros, e de introduzir um imposto sobre grandes fortunas. Só assim terá autoridade, na União Europeia, para ser a favor da harmonização da base fiscal e da criação de um IRC europeu — se não mesmo global, como sugere o economista francês Thomas Piketty — para as multinacionais, a ser distribuído pelos Estados-membros e a financiar projetos de criação de emprego, um subsídio de desemprego e uma Segurança Social supletiva na esfera comunitária. 

Nesse dia, os portugueses pagarão impostos com um sorriso nos lábios — e carregarão menos papéis nos bolsos.

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