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- nas páginas 'autónomas' (abaixo) vou recolhendo posts recuperados do 'vento 1', acrescentando algo novo ..

07/02/14

inconsistências e NY

Sei, o facebook matou os blogues, há muito tempo.
Apesar disso, continuo a alimentar este daqui, basicamente já só com artigos, opiniões, de quem, mais do que eu, sabe das coisas - e melhor! -, de quem confia ainda no poder transformador da palavra.

Uso o facebook como quem lê a imprensa diária. Só que a minha é mais crítica, mais "engajada". Leio os acontecimentos nas franjas, e anotados. Tenho um grupo de "amigos" interessante, valha-me isso! Como os reúno, àqueles que só conheço virtualmente? Pois, precisamente, leio-lhes a prosa. Gosto. Peço-lhes a amizade que depois (quase sempre) me concedem.

Deste blogue, não sei já nem o rasto. Não escrevo, copio, de tempos a tempos. A inutilidade da coisa, a fatuidade de quase tudo. Fiz recentemente duas viagens a dois sítios distantes, opostos. Gostava de partilhar impressões. Partilhar. "Com quem?", penso. Haverá alguém que ainda me leia, que venha procurar-me neste Vento? Alguém, para além dos (poucos) que me querem muito bem? Dos pouquíssimos que, querendo-me bem (ou ao meu blogue..) ainda têm paciência para as minhas opiniões, um texto longo, a alheia existência mal-exposta? Não tenho como saber de mim, a menos que aqui me deixem comentários .. ;(

Em Dezembro estive em Nova Iorque, em Janeiro Moçambique. Que contraste! Regressada do 1º destino, pensei fazer um post, até hoje. Iniciei-o mentalmente. O que é que NY tem? Tudo. Nada. 

Era Dezembro e festejava-se por lá amplamente a "Holiday Season". Muita luz, muita feericidade (?) para quem não gosta da quadra, nem de festividades que o sejam obrigatoriamente.

À porta do hotel, quedava-me o tempo de fumar um cigarro, agasalhada pelo simpático aquecedor no tecto. Todos os dias em que lá estive, duas senhoras ao serviço de uma qualquer empresa esganiçavam-se invariavelmente numa qualquer versão de "Gingle Bells", acalorando de esfuziante, excessiva felicidade os hóspedes que entravam e saíam, os demais transeuntes. Agitavam sininhos, um sorriso "de orelha a orelha". Vendiam, se bem percebi, visitas turísticas guiadas. Tinham carapuços festivos, de pai-natal. Ali ao pé, em Times Square, reproduções ambulantes das míticas figuras da Disney, ou nem tanto, ufanavam-se em hipóteses de fotografias pagas com os estrangeiros - os deslumbrados e os outros. Por todo o lado, muita luz, muita alegria obrigatória, daquela espécie a que me custa aderir, sobretudo quando, na esquina seguinte, me deparo inevitavelmente com um sem-abrigo, a temperatura que desce, a chuva que começa a gelar. É Dezembro. Da janela do quarto (para fumadores, um luxo!;) vejo o Empire State Bulding, às vezes encobrindo-se de nevoeiro.

Dou-me conta de que o comércio, todo ele, está nas mãos de estrangeiros: indianos ou paquistaneses, egípcios, latino.-americanos, portugueses. Comprovo aquilo que nunca imaginei: em NY regateia-se, discutem-se os preços dentro das lojas, pior que em Marrocos. Vi e ouvi como um transformador de corrente passou de uns impensáveis mil e tal dólares etiquetados para uns inimagináveis 40 registados na máquina. Pensei, "em Nova Iorque? Como é possível?! E onde é que estão os americanos, que nem na 5ª Avenida se deixam avistar?"

Apercebi-me, também, de como os grandes "empórios" estão nas mãos de judeus, a identificação da "propriedade" deduzida pelos nomes das macro-empresas, dos hotéis de luxo.

Em NY não há crise, há um consumismo desenfreado, as lojas sempre cheias, o vaivém de turistas (e nacionais?), a alegria que se expõe e impõe, American dream seja ele, ou não. Em cada esquina há um sem-abrigo, e vi o Wim Wenders, o Land of Plenty coisa nenhuma.. Sei mas não parece que sei. Tudo é um culto de aparências, os popos antigos das meninas novas, os pescoços ao léu nos cabelos arrepiados e aquele frio de rachar.

Os carros parecem acabados de sair de um stand, todos grandes, todos de boas marcas. Os condutores, ainda uma estranheza de simpatia e civismo, a buzina que não soa quase nunca, a paciência com os peões incautos, infractores. Muitos "school" e outros "buses", um metro que agora vai sempre a abarrotar, eficaz. Nas lojas em que se entra, os vendedores acolhem-nos como a um membro da família, desfazem-se em atenções, perguntam e dão o nome como os atendedores de call centres, aqui. Suspeito que os empregados das lojas, restaurantes, ganham apenas (ou principalmente) à comissão, os direitos por que não lutam há décadas. Os grandes sindicatos americanos e os filmes que me vêm à memória, Há Lodo no Cais, o maior deles. Tudo muito "show-off", a sugerir artificialialidades.  E é Natal, quadra que abomino. O senhor afro-americano que sai e me admoesta porque o meu fumo lhe está a entrar na loja em que é porteiro e segurança, o passeio público sua reclamada propriedade!

Tinha lá estado há muito, muito tempo, acho que na década de 70. Não me espantaram agora os edifícios de vidro, imponentes. Não me espantou quase nada, eu "atremojada" de frio na cidade que não dorme - mesmo! , as lojas sempre abertas, as multiplicadas ofertas, quanto mais não seja de fatias de pizza deliciosas, permitindo uma estadia barata. Um Starbucks de copos de plástico (ou são de papel?) em cada esquina, o café horrível ao contrário do que já provara da mesma cadeia, a máquina Nespresso com que sempre viajo, cafeino-dependente que sou, e que não consegui pôr a funcionar com aquela "alternância" de corrente..

Gostei?
Gostei de ter ido, claro, a vidinha a que se foge por uns dias, apesar de tudo. O ver que, felizmente, nem todos estamos em crise, neste mundo. Que a retoma de lá talvez arraste uma retoma cá, um dia .. 
E gostei que as pessoas já não se retraíssem quando abordadas na rua, receando um assalto como há quase 40 anos atrás. 
Gostei de ver o bulício nas muitas linhas de metro, outrora vazio. 
Gostei das pessoas, simpáticas na sua maioria. 
Desta vez, não vi aquelas mulheres de meia-idade a falarem sozinhas, nos restaurantes e nos parques. 
Vi menos pessoas à procura de comida nos caixotes do lixo do que as que encontro cá. 
Era inverno e estava frio. 
Gostei? Claro que gostei!

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