o vento que passa 2 --- porque "não há machado que corte a raiz ao pensamento!"
- as imagens das colunas laterais têm quase todas links .. - nas páginas 'autónomas' (abaixo) vou recolhendo posts recuperados do 'vento 1', acrescentando algo novo ..
No passado dia 15 de Novembro, a secção portuguesa da Amnistia Internacional
(AI) emitiu um comunicado que gerou polémica. O comunicado dizia respeito à
manifestação de 14 de Novembro e tinha essencialmente quatro pontos:
condenava o uso excessivo da força por parte da PSP;
condenava os actos de
violência de um grupo de manifestantes que arremessaram pedras e petardos contra
as forças de segurança;
alertava para o facto de haver testemunhos de
detenções ilegais;
solicitava ao ministro da Administração Interna que
ordenasse a abertura de um inquérito.
Ao condenar o uso excessivoda força por parte da PSP, o
comunicado não criticava o facto de a PSP ter usado a força. Criticava, antes, a
forma como a PSP usou a força, considerando-a excessiva ou
desproporcional. Dito de outro modo, a AI admitia que, perante a violência
demonstrada por um grupo específico de manifestantes, a PSP acabou por não ter
alternativa senão usar a força, mas contestava que não tivesse havido
alternativa a uma carga policial que (segundo tudo indica) não deteve os
prevaricadores, atingiu inocentes, continuou muito para lá do local da
manifestação com recurso indiscriminado à bastonada e acabou em detenções
aleatórias que terão violado princípios elementares do Estado de direito. Das
alternativas a esta forma de actuação tem-se começado a falar nos últimos dias:
sem um inquérito, não se pode excluir que a PSP pudesse e devesse ter tentado
usar apenas a força mínima necessária para deter os manifestantes violentos logo
no início dos distúrbios (não só para lhes pôr cobro, mas também para proteger
os seus próprios agentes).
de Max Oppenheimer
A AI é uma ONG de direitos humanos. Defende direitos e defende o Estado de
direito. Colabora há anos com instituições do Estado e já deu formação em
Direitos Humanos à GNR, PSP e a guardas prisionais. Já em Março se tinha
pronunciado contra o uso desproporcional da força policial nos protestos do
Chiado. Tem feito o mesmo em Espanha, na Grécia e em outros países onde as
manifestações têm sido reprimidas com uso excessivo da força.
Ora, segundo os
testemunhos sobre a manifestação de 14 de Novembro, a polícia espancou menores e
idosos, atingiu pessoas na cabeça e agrediu quem já estava no chão - quando, na
verdade, a praça ficou vazia poucos segundos depois de o corpo de intervenção
ter avançado sobre os manifestantes. Uma senhora de 65 anos escreve-nos o
seguinte: "O meu marido, de 79 anos, depois de ter caído, em resultado da
multidão em pânico, já estava no chão e um polícia deu-lhe com o bastão na
cabeça". Pode a AI aceitar isto como um "dano colateral" da carga policial? Pode
defender que este casal foi "cúmplice" do apedrejamento? Ou que eram "mirones" e
por isso haviam perdido o direito de usar livremente a via pública? Ou que foram
avisados por um megafone de que corriam o risco de ser espancados - quando esse
megafone é descrito por muitos como "inaudível"?
Os testemunhos sobre as
detenções não são menos preocupantes. Segundo se conclui, os detidos foram
impedidos de contactar os seus advogados, sujeitos a humilhações psicológicas
graves e libertados sem que lhes tenham sido passados autos a explicar por que
razão haviam sido presos. Nalguns casos, os detidos dizem ter sido coagidos a
assinar autos em branco. Pode a AI ficar calada perante tudo isto? Precisamos de
explicar por que motivo solicitamos a abertura de um inquérito.
8 dias passaram sobre a última greve geral, mas os confrontos da tarde de 14 de Novembro têm ainda repercussões:
ontem à noite, 21/11/2012 notícia do Público:
Nuno Santos demite-se de director de informação da RTP
Director de Informação deixa cargo depois de a PSP ter pedido imagens da carga policial na noite da última greve.- notícia aqui
Nuno Santos 'forneceu' ou não, 'desrespeitou' as hierarquias ou não, pouco interessa. Primeiro, demitiu-se, que é acto quase inédito nos tempos que vivemos: não levou indemnização (que se saiba), abdicou de um ordenado chorudo, optou pela sua dignidade - atitude ainda mais inédita, se bem virmos.
Segundo: a PSP foi até às instalações da RTP pedir "imagens da sua carga policial". A que título e com que direito, pergunto-me? (E bem podem alguns escrever que é 'procedimento normal', não é isso que lhe confere legitimidade! A PIDE agia de igual forma.)
Que pretende a PSP com as imagens? Retratar-se da violência gratuita e indiscriminada que exerceu sobre manifestantes pacíficos (transeuntes até seriam, alguns..), gente na sua maioria indefesa e que apenas tentava enfiar-se num qualquer beco, escapar às pauladas, à fúria de uns quantos bullies de farda? Pretenderá a PSP, analisando as imagens ( e como elas me fizeram lembrar as investidas da polícia de choque dos tempos da ditadura!), punir agentes seus por abuso inequívoco de poder? Pois, ninguém acredita nestas ingenui-ventualidades.
O governo, o PR, os deputados, têm medo. Têm cada vez mais medo. Por isso dão benesses à polícia, aos juízes e MPs, quiçá aos jornalistas e às direcções de informação, a quem quer que possa promover-lhes a falsimagem, protegê-los deste povo espezinhado enfurecendo-se. No projecto do OE 2013 esqueceram-se foi de 'conquistar' as forças armadas! Estranho .. Estranho também terem ainda, incompreensivelmente, um bando de fieis devotos, pés-descalços ou não, pressurosos lambedores das botas do dono, mais papistas eles que o próprio. Penso: por que razão a PSP se 'arma em vítima' durante 2 horas, para depois se transfigurar em algoz implacável contra pessoas que - óbvio porque o vimos nas imagens - não lhe faziam qualquer mossa? Mistérios.. .
Sobre a carga policial ocorrida no dia da greve geral ( e os vídeos abundam pela net..), recordemos:
Passos Coelho e Cavaco Silva elogiam " a actuação da polícia" junto
ao Parlamento e o líder parlamentar do PSD considera-a "impecável" ..
o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, diz que "os
confrontos registados ficaram a dever-se ao comportamento de meia dúzia
de profissionais da desordem" e deixa "uma palavra de saudação às forças
de segurança pelo profissionalismo e seriedade que revelaram quando se
tornou inevitável intervir" ...
o comentador Marcelo Rebelo de Sousa debita na TVI que "a carga
policial teve o apoio da «opinião pública» e a intervenção policial
«correu bem» "
a própria PSP garante que a 'intervenção' foi "necessária e proporcional" ..
os "bispos portugueses" condenam a violência das pedras, mas não a dos agentes da PSP ..
-as imagens falam por si, e a opinião realmente pública - via participantes do Opinião Pública na SIC notícias - acusa:
«manobra mediática de criminalização dos manifestantes e dos movimentos sociais»
"Estamos entregues à bicharada", como diz a Clara F. Alves.
--- recebidos via e-mail, dois testemunhos :
.
Relato vivido de uma vítima da bestialidade policial:
Durante a minha participação pacífica na manifestação da Greve Geral frente à Assembleia da
República a polícia dispersou os manifestantes com foguetes, bastões e balas de borracha. Eu, como
milhares de pessoas, corremos pelas ruas do Largo de São Bento para evitar bastonadas.
Não querendo confusão, eu e os meus amigos seguimos pela 24 de Julho, no sentido do Cais do
Sodré a caminho de casa.
Fomos surpreendidos por um grupo de polícias fardados a correr atrás de nós e, pela frente, homens
não fardados mas armados ordenaram que nos deitássemos. Deitei-me de barriga para baixo e gritei
“por favor não me faça mal” duas ou três vezes. A resposta do homem não fardado foi clara – uma
bastonada na nádega direita e outra nas costas com marca bem visível.
Fui algemado enquanto me gritavam que não me mexesse. Entretanto trocaram as algemas por
braçadeiras, bem mais desconfortáveis.
Fui revistado (não possuindo nada de ilegal ou ilícito). Um agente da PSP rebentou as abas da
minha mochila para ma tirar das costas através das braçadeiras que me prendiam os braços.
Fui empurrado para uma carrinha da PSP com 6 lugares, onde me fizeram sentar na parte de cima
da roda, nas traseiras. Fomos transportadas 9 pessoas na carrinha de 6 lugares.
Chegado ao Tribunal fui revistado mais duas vezes e, descalço, fui colocado numa cela com mais 4
pessoas, um deles com ferimentos na cabeça e costas, com sangue a cair na cela. Outro, um menor,
de 15 anos, foi libertado com aflição pelos agentes ao aperceberem-se da detenção ilegal do menor.
Eu pedi várias vezes para fazer o telefonema a que tenho direito. Responderam-me que “aqui não há
telefones”. Insisti com diferentes agentes que sempre me recusaram esse direito.
Nenhum dos agentes que me detiveram e revistaram estavam identificados, tendo retirado a placa
com o seu nome. Nenhum dos agentes no tribunal estava identificado.
Horas depois fui chamado a uma sala onde fui coagido a assinar um Auto de Identificação com os
meus dados mas em branco no “local, hora e motivo da detenção”. Questionei o agente que me
disse ser um procedimento normal, que depois eles preencheriam o resto “para bater certo com os
outros detidos”. Insisti não me sentir à vontade para assinar um papel que será preenchido depois. O
Agente colocou, então, o local de detenção mas recusou-se a pôr a hora e motivo. Foi-me dado a
entender que bastaria assinar para ser libertado. Coagido, assinei.
Levaram-me para a rua, para a porta do tribunal, onde, já libertado, confirmei que não tinha direito
ao telefonema.
A minha advogada foi impedida de entrar enquanto lá estive, foi impedida de ver os papéis que
assinei. Chegado cá fora pedi aos agentes de serviço que me facultassem uma cópia do Auto que
assinei, ou que o mostrassem à minha representante. Esse acesso foi negado com o argumento de
que “já não estava detido”.
Saí sem nenhuma acusação ou explicação para o sucedido.
Conclusão: Estou no Cais do Sodré a caminho de casa (ali perto) quando homens não fardados me
agridem, me algemam e detêm durante horas, sendo libertado cerca das 00h em Monsanto, sem
forma de voltar a casa ou ao local de detenção. Não me foi feita acusação nem dada qualquer
explicação. Foi-me recusado telefonar e também me foi recusado ver a minha advogada, como é
direito de qualquer pessoa detida. O meu dia foi transtornado, fui agredido, e nenhuma explicação
me foi dada. Foi uma experiência miliciana.
Fábio Filipe Varela Salgado BI 13018976
DN 8/4/1986 Lisboa, 15 de Novembro de 2012
quadro de Botero
Sobre a carga policial em São Bento
16/11/2012
Associação Internacional dos Trabalhadores - Secção Portuguesa
Núcleo de Lisboa
No dia 14 de Novembro, na maior manifestação em dia de greve geral, os chefes da polícia, o ministro da administração interna e outros políticos tentaram justificar a carga policial sobre os manifestantes em São Bento, dizendo que as "forças de segurança" tinham sido muito tolerantes porque durante mais de uma hora “com serenidade e firmeza” levaram com pedras e garrafas atiradas por “meia dúzia de profissionais da provocação”.
Houve várias pessoas a atirar pedras e outros objectos ao cordão policial que defendia o Parlamento e não só eram bem mais do que meia dúzia, como muitos outros permaneceram por ali bastante tempo, sem arredar pé.
Também é verdade que houve uma carga violentíssima sobre os manifestantes, homens, mulheres, idosos, crianças, tudo o que se mexia foi varrido, atirado ao chão, ameaçado com gritos e balas de borracha. Houve ainda uma perseguição por várias ruas, onde se prenderam pessoas indiscriminadamente. Dezenas de pessoas foram identificadas sem saberem porquê. Nas esquadras não lhes foi dada a possibilidade de falar com um advogado, ir ao wc ou até de receber assistência médica.
Sobre a repressão policial temos apenas a dizer o seguinte: violência não é atirar pedras contra o corpo de intervenção, protegido com os seus fatos especiais, capacetes, escudos, cassetetes e armas. Violência não é a revolta de quem trabalha e não tem dinheiro suficiente para viver, de quem nem trabalho tem e desespera à procura, de quem passa fome, dos idosos que vêem as suas pensões reduzidas, de quem não explora ninguém e vive uma vida inteira a ser explorado pelos mesmos de sempre: políticos, banqueiros e empresários. Violência não é atacar a polícia quando esta defende o sistema ao qual pertence: o Estado, esse mesmo Estado que concedeu um aumento salarial de 10% para as forças de intervenção enquanto milhares de pessoas vivem em pobreza e outros para lá caminham.
Violência não é gritar palavrões contra os agentes policiais quando eles escolheram estar ali, especialmente os do corpo de intervenção. A polícia só existe para manter a ordem pública. E manter a ordem pública não é mais que evitar quaisquer acções que possam perturbar o sono dos ricos e poderosos.
Para nós violência é passar fome. Violência é 561 postos de trabalho serem destruídos todos os dias e 500 mil pessoas não terem qualquer apoio social. Violência é os 25 mais ricos de Portugal crescerem 17,8% em 2011 face ao ano anterior. Violência é passar toda a vida a trabalhar por um salário, apenas para sobreviver. Violência é ter de cumprir ordens sem nunca podermos ser nós a decidir como queremos viver. Violência são os ataques diários da polícia nos bairros sociais, violência é a detenção de imigrantes que procuram uma vida melhor, violência é prender pessoas por roubar algo para comer, violência é não poderes ir por ali porque está a Merkel a passar, não poderes ir por acolá porque é o parlamento onde se encontram seguros os governantes, não poderes passar porque simplesmente os polícias te gritam que tens de te ir embora se não queres levar um tiro. Violência foi a morte à queima roupa do Kuku na Amadora, os ataques da polícia contra os piquetes de greve, as balas de borracha numa manifestação no 1º de Maio em Setúbal, a carga brutal ontem em São Bento como em tantas outras situações.
Que se desiludam aqueles que pensam que são as “pedradas” que causam alguma coisa, a violência policial em manifestações é uma constante, sobretudo se não houver televisões por perto a filmar.
A violência policial é a violência ordenada pelo sistema em que vivemos, em que uns têm tudo e outros sofrem na miséria. É a violência do Estado e do Capital. É a violência que irá crescer aqui em Portugal e em todos os lugares onde os governantes e os ricos tenham medo da revolta dos pobres.
Mas eles que não se esqueçam que não nos podem matar a todos. Não nos podem prender a todos. Haverá sempre quem resista. Quem volte. Com pedras ou sem pedras, haverá sempre quem lute contra os polícias armados, pois onde houver luta pela justiça e igualdade, haverá sempre cães de guarda a defender o dono.
Levamos um mundo novo nos nossos corações, e os golpes que nos desferem só nos fazem acreditar mais na justeza dos ideais e das formas de luta que defendemos.
Contra a repressão, solidariedade! Contra a exploração, acção directa!
Unidos e auto-organizados, nós damos-lhes a crise!