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08/05/12

quando o cinzento é a cor da moda, o arco-íris é um insulto


Ponho agora aqui o vídeo do programa, porque é ainda preciso, 7 dias depois. Porque é, será sempre, urgente ouvir estas pessoas, todos tão em uníssono de bom-senso, análises claras, óbvias: o Frei Ventura acima de toda a poesia, mas também o Carvalho da Silva, o Elísio Estanque... E como perpassam aqui as almas-gémeas de José Saramago, de Santana Castilho .. em espírito da letra e na comunhão de ideias, frades capuchinhos poderiam ser, como este que nos fala. Nobres pregadores no deserto, todos eles, e só os peixes, que não a maioria dos homens, absorvendo-lhes a lógica e a sabedoria, a imensa lucidez, a intrínseca qualidade humanista. 
Gostaria de transcrever-lhes o discurso, a todos: tão certeiro o de Carvalho da Silva! Fica a suprema intervenção de Frei Ventura, que alguém felizmente transcreveu. E penso em como tudo seria diferente se tivéssemos Pessoas assim gerindo-nos os destinos, globalmente pensando-nos Gente. Pergunto-me por que são sempre os mais medíocres, os mais parvus-pobres-de-espírito a terem a legalidade de infernizar-nos a vida, bandidos e burros e bandalhos tantos deles, num qualquer mundo de lógico bom-senso escorraçados vendilhões do templo. Fieis adoradores do des-deus capital, coveiros do futuro e da esperança, matadores de tudo, o que nos está des-destinado.

Contra eles "ouvide agora senhores" (nau catrineta) , e 'esguardai'! E aprendei com estes que aqui vos falam, e deles divulgai a mensagem, e gritai-a aos quatro ventos, e semeai a palavra, sobretudo semeai a esperança, com fartura. Talvez um dia mereçamos colhê-la.

«Ora esguardai, como se fôsseis presentes, uma tal cidade assim desconfortada e sem nenhuma certa fiúza de seu livramento, como viveriam em desvairados cuidados, quem sofria ondas de tais aflições?»(F. Lopes)
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1º de maio em análise em Contracorrente - SIC notícias

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Convidados: Frei Fernando Ventura, o ex-líder da CGTP e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Manuel Carvalho da Silva, o comentador da SIC e presidente do ISEG, João Duque e o sociólogo Elísio Estanque.

síntese da intervenção de Frei Fernando Ventura
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« Este é, acima de tudo, o tempo de falar de esperança. E não é uma esperança pendurada em ninguém, em messias nenhum, nem político nem religioso. Não é tempo de pendurar as esperanças, nem nos senhores do tempo, nem nos senhores do templo. Estamos a viver um tempo que é um ponto de chegada, um momento de antítese das sínteses, dos ismos que não funcionaram. Estamos à espera de chegar à síntese final. E é essa síntese que está a doer e está a doer a dores de parto. Somos o ponto de chegada da falência de tempos de ismos .. E eu tenho muito medo dos ismos todos, até do cristianismo. Tenho muito medo de tudo aquilo que são ismos levados por gente que não percebe que a sua missão é ser gente com gente para que cada vez mais gente seja gente e nunca ninguém deixe de ser pessoa. E aqui estamos todos necessitados também de elevar um pouco mais o discurso, de elevar um pouco mais a crispação. É o tempo da serenidade consciente, que terá que levar fatalmente a esta passagem à cidadania praticante. Estamos no tempo em que andam aí algumas vozes alarmadas com a falta dos católicos praticantes. Não tenho medo nenhum dos católicos não-praticantes, tenho muito medo dos cidadãos não-praticantes. E este é o tempo disso, é o tempo de, transversalmente, quer a tutela, quer todas as organizações (sobretudo as que têm um mínimo de possibilidade no terreno), é o tempo de mobilizar a esperança e de mobilizar aquilo que é a urgência urgente deste tempo. E é a possibilidade de acertarmos o tiro ..
Nestes dias lembrava-me de um cachorro de um vizinho meu: um cachorro simpático, mas um bocado estúpido que, quando tinha fome, ladrava ao comedouro. Aquele bicho não percebeu que quem não lhe dava de comer não era o comedouro, que precisava de ter ladrado mais para cima .. Também não sabia, se calhar, que o cachorro que estava na casa do lado também ladrava para a lata, não sabia que ele existia, porque ninguém lhe tinha pegado ao colo para lhe mostrar que o vizinho do lado também estava a precisar de encontrar sinais de esperança e estava a precisar de aprender contra quem é que tinha que lutar.
Neste momento creio que precisamos todos de perceber que não são os nossos governos que nos governam. Estamos quase com esta fatalidade edipiana de termos de bater no pai ou termos de matar o pai, mas estamos numa casa em que o pai é pobre, ainda por cima está cheio de dívidas. Por ali não virá a salvação. Temos, ainda por cima, uma paternidade alargada que nem sempre está de acordo e tantas vezes temos em poucos minutos um dos pais a desdizer o que outro disse e vice-versa .. Estou a falar das nossas fronteiras e da Europa ..
Quando fui viver para Itália eu dizia que lá só existiam - só existem, infelizmente - dois poderes organizados: a maçonaria desviada e a máfia . E eu dizia que Portugal não era assim. Neste momento já não tenho a certeza. As dores que eu sinto do lado italiano são muito parecidas com as dores que sinto do nosso lado...
(...)

Quando vi as imagens do Pingo Doce, fiquei triste e alarmado. Vi isto na Venezuela, com o Chavez, exactamente o mesmo tipo de reacção. Fiquei com esta imagem como um ícone, ou como um contra ícone, uma mensagem de sinal contrário daquilo que é uma das urgências a descobrir hoje. Desde logo, querem-nos convencer que economia e finanças é a mesma coisa – e não é. As finanças serão uma pequena parte daquilo que é a economia, a gestão da casa, que tem de ser uma casa comum. Estamos confrontados com um discurso de inevitabilidades – que não existem! Nós, enquanto seres humanos, independentemente das nossas sensibilidades políticas ou religiosas ou seja o que for, nós enquanto seres, existimos entre dois abismos de solidão: nascemos sozinhos e morremos sozinhos, ninguém nasce por nós e ninguém morre por nós. O desafio e o bloqueio que neste momento nos mata… porque a crise não é económica, a crise é relacional acima de tudo. A crise tem a ver com isto: quem és tu para mim? Nestes dois limites de solidões, aquilo que se nos pede enquanto seres humanos é sermos capazes de criar redes de solidariedade. Desculpem lá puxar a brasa para a minha sardinha franciscana: nós vivemos um mito urbano quando, para se falar dos franciscanos, se continua a falar da pobreza franciscana, como se Francisco de Assis fosse tolinho da cabeça e como se alguém no seu perfeito juízo fosse capaz de optar por um não-valor. O que Francisco traz à História é uma opção pela fraternidade, o que é outra coisa – e tem consequências. Tem consequências na relação com o outro, tem consequências naquilo que tem que ser – e isto é que nos vai doer muito – o milagre que pode levar à saída da crise.
Não quero proclamar que tenho a chave para a saída da crise, mas tenho pelo menos uma pista de reflexão. Ou pelo menos uma ideia que gostava de partilhar como ideia.. uma coisa que me arrelia muito: nos últimos tempos, temos uma sociedade marcada por uma partidarite aguda, tribalizada. E a partidarite é uma inflamação da democracia. Vivemos esta falta de ideias e tantas vezes damos conta que em vez de termos uma linha de pensamento, só temos uns gatafunhos ideológicos que nos matam e que nos prendem, que não nos deixam depois chegar a esta que pode ser uma primeira pista de reflexão para nos entendermos e para nos situarmos. Porque quando o cinzento é a cor da moda, o arco-íris é um insulto. E nós estamos cinzentos, demasiado cinzentos.

Deixem-me deixar esta ideia bíblica: nós, em alguns arroubos mais ou menos místico-gasosos, ficamos muito alarmados e muito agitados interiormente com a multiplicação dos pães e dos peixes. Se nós percebêssemos o que está ali, se nós percebêssemos o desafio de construção social e de acusação contra o egoísmo cego do capitalismo que mata a História, ou dos ismos todos, quaisquer que eles sejam, quando a Pessoa não está no centro e que matam a História, sejam totalitarismos de direita ou totalitarismos de esquerda (mantendo-nos ainda nesta linguagem primitiva de separações destes géneros). O que aconteceu naquele momento? A cena é descrita como uma cena de final da tarde, imensa gente, tudo cheio de fome, é preciso dar de comer a esta gente. A resposta de Jesus à situação: “dai-lhes vós de comer” - e o pânico! Como é que vamos arranjar de comer para esta gente toda? Quem teve a solução ali naquele momento? É um catraio, é alguém que não tem nada a perder, só uns pãezitos e uns peixes. Só houve multiplicação porque houve divisão.

A solução tem que passar por aqui: é preciso dividir para multiplicar e é preciso somar sem subtrair nada a ninguém. O segredo está aqui. A chave está aqui. E por aqui pode construir-se a esperança. Por aqui podem-se criar redes de relações, por aqui pode dizer-se às pessoas que a esperança é possível. É preciso organizar esta esperança.

Eu, hoje, vi as cenas do Pingo Doce e vi as cenas das manifestações das duas centrais sindicais. As manifestações têm uma função catártica, porque é preciso gritar e é preciso explodir e é preciso libertar energias. Mas depois do final da manifestação, depois de enrolar a bandeira, o que é que eu faço com aquilo, para onde vai a minha desesperança? Eu que deixei a minha centralidade, e aqui voltamos a Emaus, eu que deixei a minha esperança pendurada na centralidade de uma Jerusalém qualquer, e vou a caminho da minha Emaus do desespero. Hoje não são só dois que vão a caminho de Emaus do desespero, são milhões no mundo inteiro, que perdem o emprego, que deixam de poder satisfazer as necessidades da sua família, onde a esperança desaparece. São às centenas os que morrem como gatos afogados no mediterrâneo a saltar do Norte de África para chegar a Lampedusa, à Sicília, às costas do Sul de Espanha. E este é o subir, pegar no cachorro para ver o muro do outro lado. Quem tem a História nas mãos somos nós. As revoluções nunca se fazem pelas estruturas, as revoluções começam por baixo contra as estruturas. As estruturas são coisas estáticas, têm um medo desgraçado de serem tocadas. Isto é a piscina de água choca, está toda a gente com a água por aqui [pelo pescoço], quando alguém faz onda, todos gritam: não faças ondas! Todas as estruturas sofrem deste mal.

Hoje, depois da manifestação, pensei: para que Emaus vai esta gente? Que esperança é que podemos trazer à História? Será que as centrais sindicais, será que a Igreja, será que as associações do bairro, não têm uma responsabilidade social? Têm! Têm que ter! A nossa resposta e o nosso grito não pode ser só enrolar a bandeira até à próxima manifestação ou até à próxima greve geral. É preciso sermos imaginativos e fazer outra coisa. Deixem-me ser profundamente demagógico agora: nós estamos todos com a corda ao pescoço. De cada vez que metemos gasolina, os nossos carros andam a impostos, 84% do que a gente mete nos depósitos são impostos e aquilo anda. E os preços estão a subir, não porque a matéria prima esteja a subir, mas porque o consumo está a baixar. Isto é maquiavélico, um ciclo vicioso. Temos quatro companhias em Portugal a vender gasolina. O Governo já disse, pela activa e pela passiva, várias vezes, que não tem poder para mexer naquilo. O loby está instalado. Mas nós temos! Nós podemos! Imagine que durante uma semana a CGTP e a UGT dizem: esta semana ninguém compra gasolina nem gasóleo em duas destas marcas. Aqueles senhores, ao fim de uma semana, terão os preços mais baixos. E as outras duas vão ter que baixar também, porque a concorrência vai começar. De cada vez que vou na auto-estrada sinto-me insultado. Porque é que gastaram aqueles milhões a colocar aqueles painéis sobre a informação de preços quando os preços são todos iguais? Isso é brincar!

É preciso galvanizar as pessoas! Ou nos galvanizamos ou nos albanizamos! Não há via do meio. E passa por aqui a responsabilidade de todos.»
Frei Ventura
 texto retirado daqui 
-- ajustado e acrescentado de acordo com o que ouvi no vídeo acima ..
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