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22/05/13

A falta de senso dos defensores do consenso

Público, 22 de Maio de 2013

Santana Castilho*

A falta de senso dos defensores do consenso



Diariamente, grandes e pequenas coisas, afinal aquilo de que é feita a vida, desfilam em alardes de falta de senso, mesmo quando os seus intérpretes, por inerência dos cargos que ocupam, dele nunca devessem prescindir. O país não está só em recessão e depressão. Parece gerido a partir de uma nave de loucos. 

1. Em nome do consenso, Cavaco Silva criticou Paulo Portas por falar e expor, em público, a fragilidade da coligação moribunda. Mas não se coibiu, ele próprio, de defender, em público, o que Portas disse. Que a senhora de Fátima (segundo ele provável responsável pela conclusão da sétima avaliação) lhe ilumine o senso comum, já que os “cidadões” (novo presidencial plural) recusam consensos sabujos. 

2. Não é de senso comum ou sequer mínimo que se trata quando se ouve, como ouvimos, o primeiro-ministro afirmar, naquele jeito característico de estadista de Massamá, que os cortes apresentados ao eurogrupo não se aplicam à generalidade dos cidadãos mas, tão-só, aos reformados e funcionários públicos. A questão é de siso. Não o tem, de todo, quem teima em dividir os portugueses em subespécies: os espoliáveis, sem direito a pio, e a “generalidade”, salva e agradecida. 

3. Alguém dotado de senso mínimo acreditará que a pantomina da linha vermelha não seja a expressão combinada da total falta de senso de governantes empenhados em aterrorizar todos para aplicar a alguns as últimas patifarias do poder? Seria sensato Passos Coelho anunciar, a 3 de Maio, uma taxa sobre as pensões, sem que Paulo Portas o soubesse, ou que o primeiro ignorasse a fanfarronice que o segundo iria proferir, a 5, e engolir uma semana depois? Escrevi “patifarias do poder” e dou aqui por soletrada a expressão, para que resulte claro que pesei o que escrevi. Ou alguém de senso acha inadequado o qualificativo para designar o modelo anunciado de fuzilamento moral de funcionários públicos? 

4. O país não ensandecido assistiu, atónito, à leviana falta de senso de alguns deputados. “Os Verdes”, sem passarem os olhos pelos programas de ensino, propuseram resolver o que há décadas está resolvido, isto é, o estudo da Constituição da República Portuguesa no contexto de várias disciplinas curriculares, designadamente História e História e Geografia. Fernando Negrão, magistrado, deputado e cumulativamente presidente da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tudo isto, pasme-se, defendeu que os nossos alunos não devem ter qualquer contacto com a Constituição vigente. Porque ele, a coberto da sua beca e imunidade parlamentar, a decretou “datada” e senhora de uma “carga ideológica muito forte”. Nuno Crato implodiu a área da Formação Cívica. Fernando Negrão quer banir o ensino da Constituição. Compreendemos porquê. Basta seguir a conduta protofascista de Passos e Gaspar. Os direitos humanos, os direitos sociais, os direitos culturais, as liberdades e as garantias, que resistiram às revisões de 1982 e 1989, são insuportáveis para quem governa em regime de excepção encapotada. 

5. Mal foi anunciada a greve dos professores, surgiram, cândidos, dois discursos: o dos que a condicionam a não perturbar a tranquilidade do chá das cinco e o dos que só militam na solução que nunca é proposta. Aos primeiros, é curioso vê-los invocar o direito de uns, com as botas cardadas calcando os direitos dos outros. Aos segundos, repito o que em tempos aqui escrevi: os professores sabem, têm a obrigação de saber, que todo o poder só se constrói sobre o consentimento dos que obedecem. Quando vos tocarem à porta, não se queixem! 

Trinta alunos por turma, 300 alunos por professor, mais horas de trabalho lectivo, mais horas de trabalho não lectivo, menor salário, carreiras e progressões congeladas vai para 7 anos, obrigatoriedade de deslocação a expensas próprias entre escolas do mesmo agrupamento, exercício coercivo a centenas de quilómetros da residência e da família, desmotivação continuada e espectro do desemprego generalizado, são realidades que afectam os professores, em exclusivo? Não afectam os alunos? Não importam aos pais? Ao futuro colectivo? 

A diminuição do financiamento dos serviços de acção social escolar, quando o desemprego dos portugueses dispara e a fome volta às nossas crianças, bem como a remoção sistemática, serviço após serviço, das respostas antes existentes para necessidades educativas especiais, é problema corporativo dos professores ou razão para que a comunidade civilizada se mobilize? A drástica diminuição dos funcionários auxiliares e administrativos, a redução das horas de apoio individualizado aos alunos, o aumento do preço dos manuais e dos passes e a deslocação coerciva de crianças de tenra idade para giga agrupamentos são problemas exclusivos dos professores? 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

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