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04/11/14

podemos? .. não podemos? ..

retirado do facebook,

por António Pinho Vargas

O que é que o Podemos pode e nós não podemos? (a hierarquia de medos) 
Têm sido publicadas análises várias da sondagem de Espanha e da situação política de países do resto da Europa, comparando-as com a fixidez do sistema partidário português. Importantes as de André Freire e, hoje no i, de Nuno Ramos de Almeida, "Há razões para não podermos?". Julgo que sim, que há razões.

Há algum tempo - há anos - fui escrevendo aqui da necessidade de uma aliança das esquerdas. O resultado foi um desastre e nenhuma aliança nas Europeias.

Posso apontar o que me parece sobre as razões da especificidade: 
1. O "salazarismo está vivo nos nossos corações": hoje mesmo leio que o director obscuro da Faculdade de Direito de Coimbra, António Santos Justo, proibiu um debate entre Rui Tavares e Pedro Mexia porque "não quer ideologia na Faculdade". Leio e não acredito. O discurso-tipo de Cavaco - o político não-político que dissemina o discurso anti-políticos - dá os seus funestos resultados. Cavaco com esse discurso vai ao encontro dos piores resquícios do tempo do regime da ditadura. "Discutir política é proibido" como se isso mesmo não fosse uma posição política de extrema direita. Discutir política é coisa de comunistas; governar é "a bem da Nação", "não é política". Uma vergonha sem nome. 
2. A existência do Partido Comunista; enquanto que nos outros países da Europa os PCs desapareceram, pura e simplesmente, o PCP mantém-se forte. Deste modo a clivagem Salazar-Cunhal, que marcou o século XX em Portugal prossegue. O Bloco - com todos os meus amigos lá - recupera aspectos idênticos da situação de 1968-75. Daqui resultou o imobilismo que algumas movimentações noutras esquerdas poderão romper nas próximas eleições. Julgo que a força do PC na sociedade e nos sindicatos foi, em Portugal, um obstáculo ao aparecimento de Siryzas e de Podemos. Quando se existe ocupa-se um espaço. 
3. As elites culturais não são elites nem são cultas e mantêm o quadro que marcou o regime fascista após 1945: a divisão entre "a situação" e "a oposição" para além de largas camadas de apolíticos secretos (de direita). O medo bipartido do antigo regime. Quem rompeu este bloqueio social e político foram os militares em 1974, convém lembrar. Depois de 1980 recreou-se uma nova hierarquia de medos que atravessa a sociedade de alto a baixo, nas empresas, nas escolas, nos hospitais, nos partidos. "Eles - sempre eles - é que mandam". 
4. A justiça. O número de presos e arguidos por corrupção em Espanha é enorme desde a filha do rei e o seu elegante marido, até muitos autarcas e financiadores ilegais de partidos. Em Portugal contam-se pelos dedos e todos os banqueiros envolvidos em escândalos, estão à espera das previsíveis prescrições, bem instalados em suas casas. A justiça não funciona em Portugal e esse facto favorece a hierarquia de medos e a prática da corrupção. Claro que deve existir "a presunçao de inocência", mas devia igualmente existir a presunção de condenação uma vez terminados os julgamentos. 
5. Nos próprios textos de André Freire e Nuno Ramos de Almeida - prezo os dois - se mostra a divisão que paralisa. O primeiro defende que "a esquerda radical deve deixar claro que quer governar". O segundo afirma que "o que as pessoas exigem é uma ruptura com aquilo que existe, não que se proponham comer à mesa do sistema". Ramos de Almeida admite adiante que "quem se opõe a este estado de coisas deve ter a ambição de governar e ocupar o lugar do poder para o tornar o lugar de todos" e antes escrevera "o problema dos partidos como o Bloco e o PC […] é terem sido incapazes de transformar uma maioria social numa maioria política" elogiando o Podemos por ter vontade de vencer, tendo uma "forte hegemonia na maioria da população". Veremos se sim ou não nas próximas eleições em Espanha. 
6. Mas a divergência anterior - governar com os partidos do sistema, leia-se o PS - ou governar contra ele - é justamente a causa que impede acordo, que paralisa e que impede o aparecimento da maioria política idêntica à maioria social. 
7. Finalmente uma sociologia empírica do olhar: julgo que as camadas mais pobres da população portuguesa, as mais atingidas pela crise, especialmente no norte do nosso país, tem uma ligação afectiva e política ao PS. Julgo que em Lisboa e arredores este facto é virtualmente invisível e incompreensível. Enquanto o PC tem primazia sindical histórica o PS, por razões certamente complexas, não sofreu, ao contrário de outros partidos similares europeus, o mesmo tipo de desmantelamento, e de desastre eleitoral. Mantém-se. Tomá-lo como "partido do sistema" é, por um lado, verdadeiro mas, por outro, continua a ser visto por muitos da camada mais frágil da população como o seu partido, como o único que os defende na prática nos momentos difíceis. Aqui reside outra particularidade deste país. Nesse sentido, o PS terá no próximo governo a sua última oportunidade de lhes dar uma resposta. 
8. Ao longe a triste União Europeia dos burocratas e dos neoliberais comandados pela Alemanha. O que conta muito.
António Pinho Vargas
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Ver:
Sondagem coloca Podemos à frente das intenções de voto em Espanha 
PÚBLICO 02/11/2014

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