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03/03/14

perceber a História

Na Crimeia faz-se a festa à espera da guerra de Putin 
reportagem de Paulo Moura (em Sinferopol) 
03/03/2014 - 07:50 
«Os diplomatas conversaram, e no terreno as tropas russas foram-se instalando, sem se fossem disparados tiros. A população russa da Crimeia festeja e no resto da Ucrânia há mobilização para a guerra.»
«A capital da Crimeia espera a guerra num estranho ambiente de euforia.» -- ler aqui


da TVI 24, imagens:

por um lado, na Ucrânia (Kiev), manif anti-guerra - (img. daqui)


por outro lado, na Crimeia .. (img. daqui)

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no Público,
23/02/2014

por Jorge Almeida Fernandes

Ucrânia: as três dimensões do conflito   

Ao tentar perceber a crise ucraniana podemos encontrar três pistas de pensamento. A primeira é a revolta contra um sistema de poder autoritário, corrupto, ineficaz e que culminou na submissão a Moscovo. O segundo plano de abordagem é “a disputa da Ucrânia” entre a Rússia e o Ocidente. Lembre-se que o movimento “Euromaidan” estalou no fim de Novembro com a brutal pressão de Vladimir Putin sobre Viktor Ianukovich para impedir a adesão de Kiev à Parceria Oriental da UE. Por fim, está sempre presente a diversidade regional, histórica, cultural, religiosa e linguística da Ucrânia, que se traduz em mentalidades e interesses por vezes opostos entre a Ucrânia Ocidental e a Oriental — para não falar na Crimeia — e que se pode resumir numa fórmula: “Há várias Ucrânias.” 


A combinação destes factores, a escalada dos confrontos em Kiev e a radicalização de sectores nacionalistas levaram a falar no risco de “desintegração da Ucrânia” e, até, na ameaça de guerra civil — uma “guerra por procuração” entre Moscovo e a aliança ocidental, travada por ucranianos. Um fantasma simbólico na Europa de 2014, ano do centenário da I Guerra Mundial. 
O que diz o mapa 
A Ucrânia é um país à procura de uma identidade ou combinando várias identidades. O termo ukraina quer dizer fronteira ou confim. Um país na encruzilhada de impérios está sujeito a muitas vicissitudes. O actual território ucraniano passou por vários domínios: o Estado polaco-lituano, a Rússia czarista, o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano. Por fim, Estaline recompôs à sua maneira este puzzle político-geográfico. Na Ucrânia Ocidental prevalece a herança austríaca e há uma forte ligação cultural e económica com a Polónia. A Ucrânia Oriental é russófona e está umbilicalmente ligada à Rússia. A Crimeia foi um território russo desde o século XVIII mas foi “oferecido” à Ucrânia por Nikita Khruschtov em 1954. O “país central”, onde está Kiev, é uma mistura disto tudo. 

Os contrastes da Ucrânia são patentes mas há grande interdependência entre as regiões. Identidades culturais diversas não significam a inexistência de identidade nacional — ela existe. O Donbass, coração do Leste ucraniano, quer manter laços estreitos com Moscovo mas não quer ser integrado na Rússia. A região ocidental quer, inversamente, que a Ucrânia se afaste de Moscovo, mas não a secessão. Em si mesmo, o mapa não é determinante. Mas reflecte-se no conflito: na Ucrânia Oriental, por exemplo, há crescente oposição a Ianukovich mas não hostilidade à Rússia. 

A dimensão geopolítica 
A Polónia tem sido, desde o fim da URSS, o principal advogado da integração da Ucrânia na esfera ocidental. Considera que a independência de Kiev perante Moscovo é uma garantia da sua própria segurança. A tese de Zbigniew Brzezinski — polaco de nascimento — segundo a qual a Ucrânia determina a natureza da potência russa é partilhada em Varsóvia: “Sem Ucrânia, a Rússia deixa de ser um império euro-asiático.” 

Hoje, após o previsível fiasco da integração da Ucrânia na NATO, esta tese tem um acolhimento mitigado na Europa e nos EUA. Kiev não tem interesse em cortar os laços com a Rússia, não o poderia sequer fazer e, por isso, tal não lhe deve ser pedido. 

Inversamente, é Putin que retoma o tema. Terá dito a Bush, em 2008, que “a Ucrânia não é sequer um Estado”. Vê-a como uma parte integrante da Rússia que foi usurpada em 1991. O seu horizonte estratégico prevê integrar a Ucrânia numa união aduaneira dominada por Moscovo. Definiu uma linha vermelha: a Ucrânia não pode deslocar-se — mesmo sem NATO — para a esfera económico-política da UE. Por isso transformou a questão da Parceria Oriental num confronto geopolítico. 

O regime político 
Moscovo não quer desagregar a Ucrânia, quer mantê-la fraca, dizem analistas. A hipótese de criar um Estado federal não desagradaria a Moscovo. Daria às regiões russófonas um direito de veto em relação à UE. E permitiria, por outro lado, à maioria russa da Crimeia integrar-se mais na Rússia. 

A consequência lógica do pensamento de Moscovo é o condicionamento da vida política em Kiev. Explorará todas as vulnerabilidades políticas, económicas e energéticas ucranianas para barrar o caminho a um regime pró-ocidental ou, no mínimo, para bloquear as suas opções internacionais. Neste campo, os meios e o investimento político de Moscovo são mais fortes do que os da UE ou dos EUA. E tem uma vantagem: a oposição ucraniana está largamente desorganizada. 

Em contraponto, há novidades. Anotavam em Janeiro dois analistas polacos, Wojciech Kononczuk e Tadeusz Olszanski: “A experiência das últimas semanas marcou a emergência de uma nova elite social na Ucrânia, preparada para lutar pelos seus interesses ainda que não plenamente capaz de os articular. Esta nova geração tem pouca confiança nos políticos e na política.” 

Para os mesmos autores, Ianukovich é — ou era — o dirigente ideal para Moscovo. Não por ser pró-russo mas por assegurar o fracasso. “Uma Ucrânia autoritária, corrupta, opaca e politicamente instável, incapaz de fazer as reformas estruturais de que desesperadamente precisa, é a melhor garantia de que o país ficará fora da órbita da UE — ou até na esfera de influência russa.” 

Quanto mais disfuncionais forem as instituições políticas e mais caótica estiver a economia mais instrumentos de pressão dispõe Moscovo. Após a “revolução laranja” de 2004, a rivalidade entre o Presidente Viktor Iuchenko e a primeira-ministra Iulia Timochenko paralisou as instituições e degradou a Ucrânia, levando à posterior vitória de Ianukovich. 

É necessária uma observação final. As potências não determinam tudo. Russos ou ocidentais têm um limite: só podem influenciar a Ucrânia a partir das opções dos ucranianos. Estes têm a última palavra: manter ou afastar um regime autoritário e corrupto. Também deles depende dotarem-se de instituições funcionais. Repita-se: caos, a corrupção e o bloqueio das reformas são o principal factor da dependência. Foi o que os últimos anos ilustraram.
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no Público,
03/03/2014
por  Rui Tavares

O traumatismo ucraniano  

Não gosto nada quando isto acontece. Na semana passada escrevi uma crónica sobre a Ucrânia, chamei-lhe “Já basta uma tragédia” (a outra é a Síria) e, quando o enviei, fiquei com a sensação de que tinha sido alarmista. Hoje dá a sensação de que afinal pequei por defeito e não por excesso. 

Três notas sobre o que se está a passar na Crimeia. 

A primeira é a histórica. Na semana passada aludi à Guerra da Crimeia, que apesar de anteceder a Iª Guerra Mundial em pouco mais de 60 anos, pode dela ser considerado precursora. O que se esquece é que a Crimeia, em si, foi apenas um objeto colateral dessa guerra. Ela foi combatida na Crimeia porque a França, a Grã-Bretanha e o Império Otomano assim o escolheram. O objetivo do Império dos Czares era combater essa guerra do outro lado do Mar Negro, auxiliando os eslavos e ortodoxos sob dominação otomana para poder chegar a Constantinopla, hoje Istambul, e conquistar a “segunda Roma” (sendo que tinham já a “terceira Roma”, Moscovo) aos sultões muçulmanos. Esse objetivo manteve-se. As outras potências europeias desejavam exatamente o contrário: não queriam uma Rússia que dominasse o Médio Oriente (e esta tensão prolongou-se durante a Guerra Fria, já com a URSS). A Crimeia era uma almofada (para os aliados) ou um trampolim (para os russos), não um objetivo em si — mas também por isso uma guerra que começou na Crimeia se expandiu por todo o Mar Negro, o Danúbio, o Cáucaso, e até o Báltico e, em alguns casos isolados, o Pacífico. 

A segunda nota é sobre a resposta da UE e dos EUA. É evidente que Putin quer punir a Ucrânia por esta ter escolhido o “Ocidente”. Como quem diz: podes sair de casa, mas eu fico com o que eu quiser. Do lado ocidental, a escolha é entre uma nova guerra fria — congelar os laços com a Rússia — ou uma nova guerra quente que ninguém quer imaginar. Ao contrário de há cem anos, hoje há arsenais nucleares. Seria trágico que fosse agora, mais de 25 anos depois da queda do Muro de Berlim, que a Rússia e os EUA entrassem na guerra que se conseguiu evitar durante todo o século passado. 

A terceira nota é sobre a própria Rússia. Esta posição de força esconde grandes fraquezas. Por muito nacionalismo que lhe sirvam na televisão, o povo russo vê para lá de Putin. As desigualdades são enormes, a oligarquia vive à grande e às claras, e não se pode comer gás natural: ele tem de ser vendido para algum lado. A Rússia, envelhecida e demasiado dependente das suas reservas de combustíveis fósseis, não se pode dar ao luxo de cortar com o resto da Europa. Putin está numa posição aparentemente sólida, mas isso é hoje, não daqui a meses ou anos. Não é de excluir até que a sua mensagem seja tanto para dentro como para fora. Como quem diz aos russos: não pensem em fazer o mesmo que os ucranianos. Mas Putin deveria talvez refletir que a tal Guerra da Crimeia, ou a Iª Guerra Mundial (ou, antes dela, a Guerra Russo-Japonesa de 1905), foram ocasiões em que um senhor da Rússia se expôs demais e a Rússia acabou mudando de senhor, num dos casos de forma rápida e inclemente. 

Seja como for, a verdade é que começamos o ano perguntando-nos como foi possível que, há um século, a Europa tenha entrado em guerra tão rapidamente. E agora vemos como é fácil fazê-lo — e difícil, embora ainda possível, evitá-lo. 

Historiador


mapa: a UCRÂNIA na Europa

no mapa, a Crimeia assinalada por um círculo vermelho
«A Ucrânia é um Estado unitário composto por 24 oblasts (províncias), uma república autónoma (Crimeia) e duas cidades com estatuto especial: Kiev, a capital e maior cidade, e Sebastopol, que abriga a Frota do Mar Negro da Rússia sob um contrato de leasing. A Ucrânia é uma república sob um sistema semi-presidencial com separação dos poderes legislativo, executivo e judicial. Desde a dissolução da União Soviética, o país continua a manter o segundo maior exército da Europa, depois da Rússia.
O país é o lar de 44,6 milhões de pessoas, 77,8% dos quais são ucranianos étnicos, com minorias de russos (17%), bielorrussos e romenos. O ucraniano é a língua oficial e o seu alfabeto é cirílico. O russo também é amplamente falado. A religião dominante é o cristianismo ortodoxo oriental, que influenciou fortemente a arquitetura, a literatura e a música do país.
Recursos naturais significativos na Ucrânia incluem minério de ferro, carvão, manganês, gás natural, petróleo, sal, enxofre, grafite, titânio, magnésio, caulim, níquel, mercúrio, madeira e uma grande abundância de terras aráveis.
O colapso da União Soviética em 1991 permitiu a convocação de um referendo que resultou na proclamação da independência da Ucrânia. Após isso, o país experimentou uma profunda desaceleração económica, maior do que a de algumas das outras ex-repúblicas soviéticas.
Em 1986, no norte da Ucrânia, aconteceu o pior acidente nuclear da história, na cidade de Chernobyl. » - fonte

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