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30/06/13

«Invenção, imaginação contra a opressão da passagem deste tempo»

por António Pinho Vargas

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Estas confissões que aqui escrevo de vez em quando - que não são as de Santo Agostinho porque não tenho talvez tantos pecados para confessar, nem tenho a fé salvadora que o grande pensador filosófico do tempo encontrou - têm a sua origem no cansaço da repetição do mesmo, dia após dia, semana após semana, mês após mês. Ou seja, na forma como a passagem do tempo se tormou opressiva. Muita gente neste momento decidiu não ler jornais, não ver televisão, etc., por certo com razões semelhantes. É mais que legítimo. Tomemos uma exemplo: de cada vez que há resultados trimestrais apresentados, vemos o governo e os seus defensores a dizerem que está dentro do previsto, etc., etc., e os partidos das oposições, os sindicatos, etc., a dizerem que o desastre se aprofunda, que o governo está a destruir o país, que demitir o governo é urgente. Não preciso de dizer que estou de acordo com a segunda posição. Mas depois de a ouvir dezenas de vezes, toma conta de mim uma espécie de sensação vaga de que dizer isso já não é suficiente e não produz resultados relevantes. O bloqueio prossegue e não será fácil rompê-lo, como sabemos. Mas seria talvez preciso encontrar outro tipo de discurso capaz de romper os termos nos quais o governo e os neoliberais em geral lançam o debate. Deste modo, aquilo a que assistimos é mais ou menos como se houvesse ao mesmo tempo duas realidades em paralelo. A realidade na qual o governo acredita, contra todas as evidências, certamente com os seus objectivos e a realidade que as esquerdas vêem e procuram afirmar como verdadeira. Este confronto passa-se há mais de um ano e meio e existe algo de errado na sua continuação. Do lado do governo há a crença transformadora e o objectivo a prosseguir sempre do empobrecimento das populações, poupando as grandes empresas e os bancos, tranferindo portanto através dos impostos muito dinheiro para os já ricos. 

Mas já estou a cair na repetição do mesmo. É que não basta dizê-lo. Será necessário que nos discursos se coloquem perguntas às quais o governo não possa responder, perguntas que os desorientem, às habituais eles respondem sempre o mesmo e continuarão a fazê-lo. 
  • Fazer na Assembleia perguntas inesperadas, por exemplo, "gostaríamos de perguntar a Vª Exª por que é que o Dias Loureiro não foi constituído arguido?" 
  • Por exemplo inventar uma festa popular - tanto faz que tenha 20 pessoas como 1.000 - para celebrar antecipadamente todos os meses, uma vez por mês, o dia preciso em que Cavaco deixará de ser presidente, com a palavra de ordem: "Ele vai sair, ele vai sair, vamos festejar já!". Coisas diferentes das do costume. De certo modo cantar o Grândola foi uma surpresa deste tipo. É preciso inventar mais coisas ainda. Aquilo que torna os discursos estereotipados julgo saber o que é. 
É que a seguir, continuará a haver capitalismo financeiro, a União Europeia meio amalucada ou hilariante, BCE, etc. Não é previsível que o capitalismo deixe de ser , no essencial, aquilo que é há uns 400 ou 500 anos. Nesse sentido o PS é coerente, cauteloso, porque sabe que se irá meter no jogo em que os outros ditam as regras. Mas pedir que "seja dada a palavra ao povo" quando dito pelo PC ou pelo Bloco - já que não querem alianças com o PS e vice-versa - podia ser completado com outras coisas. Que teriam a perder? Ter mais imaginação, ser mais provocatório e liberto das ânsias da futura governação. Não a vão ter. Não era Marx que falava daqueles que já não tinham nada a perder a não ser as suas amarras e que, por isso, é que o espectro do comunismo pairava sobre a Europa? 

de Max Ernst
O meu problema é este: não tenho imaginação suficiente para dar mais sugestões. Não consigo encontrar mais soluções. Mas pelo menos estou a dizê-lo com modéstia. Com essa modéstia e sabendo bem que estes movimentos são sempre em larga maioria compostos por pessoas na casa dos 20 ou 30 anos, julgo que talvez entre os membros desses partidos ou de outras organizações como Que se lixe a troika, com gente tão imaginativa, tão lutadora e generosa, e sobretudo mais jovem e capaz, fizesse sentido uma recolha de ideias para acções de rua, de parlamento, de intervenções nos jornais e nas tvs, capazes de saírem da seriedade serôdia que já não cola - mesmo que seja verdadeira - e capaz sobretudo de criar surpresas inesperadas em lugar da repetição dolorosa dos números do desemprego. Já sabemos que é uma catástrofe. Mas isso até o governo admite. O que seria preciso era que na próxima semana acontecesse alguma coisa que ninguém estava à espera. Retirar a (pouca) iniciativa discursiva e tradicional aos partidos do governo, quebrar qualquer "pose de estado" que não tem sentido quando não há nenhuma expectativa de chegar ao topo do estado em situação de governar. Se preferem permanecer na posição de partidos de contestação, de protesto - o que tem a sua importância - então estão libertos das amarras que a dita pose implica. 

"Por baixo da rua, a praia" escreveram em Paris no Maio 68. Ganharam as eleições? Não, longe disso. De Gaulle percebeu muito bem. Convocou eleições e normalizou. Entre a rua e as suas formas de democracia directa (e por vezes indisciplinada) e as eleições existe um abismo. As eleições são sempre o momento da derrota, o momento do retorno da normalidade, para estas "comoções públicas". É de invenção que estamos a precisar. Dizer que precisamos de "um novo 25 de Abril", compreende-se perfeitamente, mas não me parece eficaz nem inventivo. Peço desculpa à minha própria memória, mas é o que penso. Talvez porque me lembro de ter visto, por exemplo, Louçã, nas eleições depois do Bloco e do PC terem ajudado a derrubar Sócrates, dizer na campanha eleitoral que precisávamos de "um novo 25 de Abril". 
Viu-se o resultado: os grupos parlamentares dos dois partidos passaram para metade do que eram antes. Aconteceu foi o 25 de Novembro de Passos Coelho. Podia ter sido uma boa lição. Podia-se aprender com as derrotas e com os erros. E já agora ter memória histórica: o 25 de Abril não foi uma eleição, nem uma campanha eleitoral. Foi um golpe militar democrático, honra eterna lhes seja devida, que permitiu depois restabelecer a democracia. Pedir um 25 de Abril a meio de uma campanha eleitoral é o inverso de pedir uma eleição a meio de um golpe de estado. É não reconhecer as diferenças fulcrais que existem entre as comoções públicas, os eventos que irrompem, e a normalidade, agora desapontada e desencantada Se este é um pensamento viral, então que se transmita o vírus que pede criatividade, invenção, imaginação e um novo tipo de análise política perante um quadro e uma situação na qual as antigas análises e os antigos discursos já não são suficientes. Se a ofensiva é de um novo tipo e de uma nova violência, a resposta tem de estar à mesma altura e ser igualmente de um novo tipo

António Pinho Vargas

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