8:00 Segunda feira, 6 de maio de 2013
fonte: Expresso.Sapo - aqui
Seguindo a ordem inversa dos acontecimentos, tratarei hoje do discurso de Paulo Portas ao País e guardarei para amanhã a análise do novo pacote de austeridade apresentado por Passos Coelho.
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Paulo Portas tem numa unha mais inteligência
política que Pedro Passos Coelho no corpo inteiro. E um dos principais
sinais de inteligência que um político pode demonstrar é não subestimar
os cidadãos. Porque não é parvo, Portas, ao contrário do verdíssimo Passos, não nos toma a nós por parvos. Não
tentou, por isso, vender este pacote como se fosse uma reforma do
Estado que, obviamente, não é. Nem, com exceção de uma ou de outra
medida, como uma imposição de soluções mais justas para o conjunto da
sociedade.
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Portas assumiu, sem grandes rodeios, que ele resulta da simples necessidade de apresentar qualquer coisa que permita uma sétima avaliação da troika positiva.
Na esperança de ganhar tempo para uma mudança na Europa, que, no seu
otimismo, permita uma alteração de metas e de políticas. Uma mudança que
ninguém vislumbra mas que ele acredita que o descontentamento em vários
países (mas não no nosso) conseguirá.
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Esta é a primeira vantagem de Portas sobre Gaspar e Passos. Não assume o discurso da troika.
Pelo contrário, critica-o. Não assume a narrativa alemã desta crise.
Pelo contrário, avisa para os seus perigos. Não se assume, numa posição
de vergonhosa subserviência e até falta de patriotismo que caracterizam
os discursos de Gaspar e Passos, como representante da troika juntos dos portugueses. Pelo contrário, tenta, aos olhos do País, surgir como representante dos portugueses junto da troika.
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Uma das coisas que se percebe no seu discurso é que,
ao contrário de Gaspar e Passos (e a ordem de poder é esta), Portas
sabe que esta receita não nos retirará da crise. Tende, pelo contrário, a
aprofundá-la. Apesar de ser inconsequente, Portas até introduziu no seu
discurso a ideia de que se bateu por medidas "menos recessivas" e não
por medidas de crescimento. E deu-se ao luxo de dizer que quer ver "esses senhores" (da troika) o mais depressa possível fora de Portugal. Introduzindo
no governo um vocabulário que trata os representantes do FMI, BCE e
Comissão Europeia, não como nossos aliados, mas como um problema. Bem
distante das palavras de Passos, que disse que não podemos querer que a
Europa continue a estar disponível para resolver os problemas que nós
criamos.
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Do ponto de vista formal, a intervenção de Portas seria, se tivesse alguma consequência prática, digna de um estadista.
De um estadista de direita, claro. Mas de alguém que não se presta, com
as devidas distâncias que as metáforas permitem, a comportar-se como
uma versão nacional de Pétain.
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Para, perante mais um violentíssimo pacote de
austeridade que lançará o País ainda mais depressa para o abismo (disso
tratarei amanhã), poder sustentar este discurso, Portas construiu para
si próprio um conveniente papel nesta trama. Como nos interrogatórios policiais, ele, na companhia de alguns ministros do PSD, seria o polícia bom. Aquele
que nos explica que o seu companheiro de coligação é irascível e
violento e que, se mostrarmos abertura para ceder, lá estará ele para
aliviar o nosso sofrimento.
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E foi exaustivo na enumeração dos seus préstimos. Sem ele, a idade de reforma seria aos 67 anos (coisa que, apesar de ser da responsabilidade de um ministro do CDS, terá sabido pelos jornais). Sem ele, haveria muito mais despedimentos.
No meio, quis, numa cambalhota lógica, explicar que estes poderiam ser
bons para a criação de emprego, argumentar que aconteceriam num momento
melhor do nosso mercado de trabalho e fingir que acredita que o "mútuo
acordo" não se fará por via da chantagem da perda progressiva de
salário. Mas a sua participação nesta desgraça é benigna.
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Sobre o que evidentemente não poderia ser pior, atirou para o PS e para a UGT a responsabilidade de conseguir o que ele não conseguiu. A estratégia do "polícia bom" no seu esplendor: tu cedes, eu ajudo e ele poupa-te.
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Até que chegou à contribuição extraordinária de sustentabilidade, um
imposto escondido, permanente e cumulativo com outros entretanto
criados. Portas até recordou o nome com que alguns a batizaram: "a TSU
dos reformados e pensionistas". É esta nova taxa que o impede de completar, sem cair no ridículo, a ideia de que sem ele até seria pior. Em vez de cortes na despesa, teríamos mais impostos, diria ele sem esta medida. E, ainda por cima, é um imposto sobre os reformados, onde grande parte da base eleitoral do CDS se encontra.
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Porque não se fazem milagres, Portas foi, chegado aqui, menos eficaz na retórica. Chutou para a frente.
Dizendo, basicamente, que é matéria não fechada que pode ser
substituída por outras fontes de rendimento. Ou seja, que a guerra ainda
não acabou. Como tem sido evidente para todos, Portas perdeu todas as batalhas no interior do governo.
Nada consegue contra o todo-poderoso Vítor Gaspar. Resta-lhe, por isso,
dizer aos portugueses que tudo tentou e vai continuar a tentar. E esperar assim ter as vantagens de estar no governo e na oposição.
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Portas terminou a sua comunicação com uma tirada mais ou menos intimista, confessando-se entalado entre as suas "obrigações" e a sua "consciência".
Convenientemente, ficamos a saber que, apesar de ceder em tudo, com
mais ou menos números trágicos e amuos inconsequentes, Portas acha que
tem uma consciência. A pergunta que resta é esta: e isso muda a vida
de quem? Talvez a dele, na procura da quadratura do círculo: como
participar nesta tragédia sem pagar o preço eleitoral pelas suas
responsabilidades. É que a rábula, de tão repetida, começa a não funcionar.
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Em todas as tragédias humanas, há sempre, entre os
seus responsáveis, os que têm maior ou menor consciência do mal que
provocam. Mas, ao contrário do que Portas quer que se pense, são os que sabem do erro que cometem os piores dos culpados. Os outros são apenas inconscientes.
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