opiniao | 4 Abril, 2013 - 23:15 |
Por Mariana Mortágua*
Os pontapés na matemática do FMI, das instituições europeias e do Governo são relevantes, e têm consequências, mas não são o problema.
Não é segredo para ninguém que, no início de 2007, mesmo antes da implosão do sistema financeiro mundial, o FMI estava nas ruas da amargura, e por excelentes motivos.
Os programas estruturais de ajustamento que impôs por esse mundo fora, em troca de empréstimos agiotas, não deixaram mais do que uma longa lista do que não fazer para “salvar” economias do desastre.
A Jamaica, que manteve uma longa relação com o FMI desde os anos 70, viu a sua dívida aumentar, bem com o desemprego, e foi o único país da região em recessão entre 2007 e 2010. No mesmo período, e com 54% das despesas públicas a serem direccionadas para o pagamento da dívida, a taxa de pobreza passou de 10 para 20%.
Os erros crassos da organização internacional durante a crise Argentina são sobejamente conhecidos, e mesmo admitidos pelo próprio FMI. Menos conhecidos são os impactos destrutivos das medidas de liberalização económica para os sistemas produtivos de um sem número de países. O sector da castanha de caju em Moçambique é um excelente exemplo, mas há muitos mais.
Segundo especialistas de Yale e Cambdridge, que compararam as datas dos programas de ajustamento com a incidência de tuberculose nos países do antigo Bloco Soviético, os cortes na saúde exigidos pelo FMI provocaram um aumento da mortalidade em 16,6% (mais 100 000 mortos).
Por todos os motivos, incluindo os acima apresentados, o FMI passou a ser persona non grata em vários países em desenvolvimento. No início do milénio, à semelhança de outros países Argentina e o Brasil desafiaram as políticas neoliberais dos programas de ajustamento, reestruturaram a sua dívida privada, e pagaram antecipadamente os seus empréstimos para se livrar do protetorado internacional. No final de 2007, o FMI não tinha aprovado nenhum novo empréstimo, e o total de crédito ainda ativo era de 15 mil milhões, o mais baixo em 30 anos e muito longe dos 108 mil milhões de 2003. (1)
A situação mudou com a crise financeira e, em particular, com a sua vertente Europeia. O FMI foi chamado a participar nos programas de ajustamento de vários países europeus, em tudo semelhantes aos pacotes neoliberais que, uma década antes, devastaram as economias em desenvolvimento.
Os resultados estão à vista.
Uma década depois, investigadores de Cambdrige, Standford e da London School of Hygiene and Tropical Medicine afirmam que os programas de austeridade na periferia do euro estão a causar um aumento do numero de suicídios e propagação de doenças infecciosas. Basta abrir o jornal para ter uma ideia dos efeitos da austeridade: “Plano Nacional de Prevenção do Suicídio hoje apresentado defende reforço de medidas de apoio aos desempregados” ; “Hospital de Braga adia cirurgias por falta de anestesistas” ; “Redução do PIB explica um quinto do aumento da dívida pública em 2012”.
Uma década depois, mais uma vez, o FMI vem a público admitir que errou: afinal os efeitos da austeridade são piores que o previsto! As “previsões subestimaram de forma significativa o aumento do desemprego e a redução da procura doméstica associados à consolidação orçamental”. O problema, diz o economista-chefe Olivier Blanchard, estava num dos pressupostos dos modelos econométricos de ponta utilizados: o FMI assumiu que, para além de ser igual em todos os países, o efeito multiplicador da austeridade era igual em tempos de crescimento ou de crise (0,5%) quando, afinal, é muito superior (maior que 1%).
É difícil escolher o que criticar primeiro: se a estupidez na definição do valor do multiplicador ou se o uso cego de modelos matemáticos para definir políticas com impactos sociais e económicos.
Os pontapés na matemática do FMI, das instituições europeias e do Governo são relevantes, e têm consequências, mas não são o problema. Nem o mais incompetente dos economistas ou dos governantes erra tanto, tantas vezes, e repete sempre o mesmo erro. Apenas o mais dogmático.
(1) Valores em dólares e convertidos de SDRs à data de elaboração desde artigo. Fonte: http://www.imf.org/external/np/fin/tad/extcred1.aspx
* economista, dirigente do BE
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