Público, 6 de Junho de 2012
1. A Unicef divulgou o relatório “Medir a Pobreza Infantil”, considerando crianças até aos 16 anos e dados de 2009. Num universo de 29 países estudados, Portugal está na 25ª posição. Atrás de nós só Letónia, Hungria, Bulgária e Roménia. Quase um terço das crianças portuguesas está em carência económica (o critério é o não cumprimento de dois ou mais dos 14 requisitos considerados). Essa carência dispara para 46,5 por cento se o universo for o das famílias monoparentais ou 73,6 por cento se ambos os progenitores estiverem no desemprego. Há crianças (14,7 por cento) que vivem em famílias cujo rendimento não ultrapassa os 200 euros mensais. A desatenção que as autoridades portuguesas dão às nossas crianças está bem patente quando verificamos que a taxa das que sofrem privações é três vezes superior à dos países com idêntico rendimento per capita. Sendo certo que os efeitos da presente crise ainda não se manifestavam em 2009, imagine-se a brutalidade dos números se fossem reportados à actualidade. É insensato fingir que esta realidade não existe.
2. O teste intermédio de Matemática do 9º ano, da responsabilidade do Gabinete de Avaliação Educacional, teve resultados alarmantes. Houve turmas com uma só nota positiva. Nas escolas de topo dos habituais rankings verificaram-se quebras de 30 por cento. Foram vários os professores da disciplina que consideraram o teste com grandes lacunas de validade relativamente ao programa em vigor na maioria das escolas do país. Recorde-se que estão vigentes dois programas, sendo um deles aplicado apenas em escolas-piloto. Recorde-se, também, que isto sucede a um dos maiores investimentos feito nos últimos anos no que toca ao ensino da Matemática e à formação dos respectivos professores. O exame a sério está marcado para 21 deste mês. Ficarei surpreendido se não se traduzir numa catastrófica razia. Foi insensato falar da implosão daquela coisa.
3. Pertenço aos que mais criticaram o programa “Novas Oportunidades”: pelo oportunismo a que deu lugar; pelo dinheiro gasto sem critério; pela falta de rigor de muitos dos seus centros, que reduziram a exigência mínima ao ridículo máximo. Estou por isso à vontade para criticar, agora, a maneira como este Governo lhe pôs fim, escudando-se na avaliação produzida pelo Instituto Superior Técnico, que concluiu que o programa não produziu … aquilo para que não foi criado. Voltamos ao ensino recorrente, posto de lado por ter uma taxa de abandonos enorme e um custo por aluno inaceitável. É insensato continuarmos em ciclos de pára, arranca, determinados pelo “achismo” dos ministros, gastando e deitando fora.
4. O flagelo do desemprego tem os professores como representantes destacados: entre Abril de 2011 e Abril de 2012, mais que duplicou o seu número. O futuro próximo (alterações curriculares, aumento do número de alunos por turma e giga agrupamentos de escolas) ampliará o quadro. Apressadamente, chegam às instituições de formação instruções para reduzir em 20 por cento as vagas de acesso aos respectivos cursos. Portugal tem professores a mais? É insensato responder levianamente à pergunta.
5. As matrizes curriculares dos ensinos básico e secundário, recentemente conhecidas, já mudaram várias vezes no espaço de uma semana. São patentes a inconstância e a insensatez ministeriais. Há incoerência entre o que o ministro disse em Março e o que agora se vai conhecendo. A duração dos tempos lectivos, sujeita à opção das escolas, pode transformar-se numa dissimulada forma de reduzir cargas disciplinares. No caso da Educação Física, cujo tempo vigente já é insuficiente face às recomendações internacionais, verifica-se, por referência à segunda versão matricial, uma redução de 16 aulas anuais no ensino secundário. Em contraciclo com a recomendação da Assembleia da República, que reconheceu a necessidade de reforçar a actividade física dos jovens, e ao arrepio de termos a segunda maior taxa de obesidade da Europa. É insensato poupar no farelo para gastar na farinha.
6. Sete ministros e nove secretários de Estado imitaram Sócrates no seu melhor. Foram a outras tantas escolas, não entregar diplomas do “Novas Oportunidades” ou distribuir “Magalhães”, mas “promover o voluntariado” e “incentivar as novas gerações”, no mesmo dia em que as mentiras de Relvas eram debatidas no parlamento. As televisões tiveram que escolher entre esta farsa e aquelas palhaçadas. O relógio de sol, de Nuno Crato, e a aula de canto, de Passos Coelho, ganharam. Perdeu a dignidade do Governo. Foi insensato fazer das escolas palco de uma saloia alienação.
7. Crato faz a 21 deste mês um ano de “casa”. De uma casa para cuja mesa nunca convidou os professores. Nem os pais. Nem os cidadãos. Para comemorar a efeméride, proponho que lhe mudemos o e-mail para insensato, ponto, Crato.
* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
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