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23/04/12

O Estado contra a solidariedade

Por Rui Tavares
http://ruitavares.net/blog/

Há uns tempos, Pedro Passos Coelho, na esteira do inglês David Cameron, ainda ensaiou uns discursos daquilo a que chamava a "big society", ou seja, uma "sociedade grande" que substituísse o Estado nas suas funções de combate à pobreza, solidariedade social e redistribuição de riqueza. Em nenhum dos casos a ideia era para levar muito a sério, mas antes de eleição os políticos neoliberais têm tendência a inventar umas coisas para não parecerem frios e impiedosos. Esta necessidade não é nova: quem tiver memória lembrará que em 2000 George W. Bush foi eleito com uma campanha em torno do "conservadorismo compassivo". Após a conveniência eleitoral, estas etiquetas voltam a ser guardadas, provavelmente na mesma pasta dos marqueteiros políticos de onde saíram.

Lembrei-me disto ao ver, na semana passada, as notícias sobre o despejo da Escola da Fontinha, no Porto. Como é sabido, a Escola da Fontinha era um espaço abandonado e degradado que foi ocupado, recuperado e dinamizado por um grupo de jovens, com apoio dos habitantes do bairro vizinho, que lá faziam desde aulas de recuperação a atividades artísticas. Não só a escola era abandonada como o bairro era também pobre e esquecido pelo Estado; a singularidade do projeto da Escola da Fontinha foi achar que uma escola abandonada poderia continuar a ser um local de aprendizagem para todos os envolvidos. Teria defeitos certamente, mas aprender é isso mesmo.

O país está cheio de edifícios abandonados e de gente desocupada e desmotivada. Pelos vistos, contudo, as autoridades não veem como um sinal de uma sociedade verdadeiramente grande que pessoas motivadas encontrem ocupação para os edifícios abandonados. A direita no poder quer que a sociedade se ocupe daquilo que o Estado vai abandonando, mas apenas da forma que a própria direita deseja: entregas de desperdícios alimentares, sim, ocupações com cheiro a ativismo, nem pensar. Tomada pela força policial, com o seu material destruído, a Escola da Fontinha voltou a ser um edifício abandonado e agora entaipado. Dizia nesses tempos Pedro Passos Coelho que o Estado deveria sair daquilo para que não tinha vocação.

Olhando para o último ano, percebe-se que o Estado de Pedro Passos Coelho não tem vocação para quase nada: não tem vocação para defender a escola pública, não tem vocação para desenvolver o Serviço Nacional de Saúde, não tem vocação para desenhar um modelo de desenvolvimento para o país, não tem vocação para pensar uma estratégia para a economia, não tem vocação para fazer uma diplomacia vigorosa na União Europeia, não tem vocação para ter um Ministério da Cultura, e por aí afora.
É um Estado com uma extraordinária falta de talento.
Resta pois ao Estado de Pedro Passos Coelho concentrar-se nas poucas coisas que sabe fazer bem: cortar nas despesas sociais, vender empresas e património, obedecer às decisões da Sra. Merkel, arranjar emprego para as clientelas, e manter a estrutura de decisões no estrito quadro da partidocracia.

Mas tal como na Escola da Fontinha, este Estado tem encontrado um talento até agora pouco reconhecido em Portugal: o talento para a violência e a repressão. Já tivemos um Estado assim, no século XIX: um Estado contra a solidariedade.
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