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21/12/11

Era uma vez a confiança

... Leio-o, e penso: mas este Homem é o único que se dá ao trabalho de PENSAR as coisas, neste país? O único com a coragem de as divulgar assim explicadas, preto no branco, objectivas e tão óbvias que só não as percebe quem é burro ou está de má fé?

E que raio de país é este que assim o mal-aproveita?
Que, quando o convida para programas de TV, raramente o faz em horário nobre? Que lhe concede uns quantos insuficientes minutos - quase sempre interrompidos a despropósito pelo jornalista de/ao serviço? Que o põe a argumentar com ouvintes de circunstância ou opinadores de bancada, muitas vezes boçais, por norma a leste dos assuntos em questão?

Santana Castilho sabe (e bem) de muitas coisas, tem um percurso de vida riquíssimo em experiências várias, na área da educação, do jornalismo, da política, da gestão. É, a espaços, contratado pelo Banco Mundial, que de há décadas o chama para resolver assuntos difíceis, lhe reconhece o valor, o imprescindível contributo. O Banco Mundial, que não o(s) governo(s) portugueses, estes desmiolados aprendizes de feiticeiros, estes empo(l)eirados poderzinhos de Pirro.

Presentemente, como o próprio há dias referiu em conferência na minha escola, Santana Castilho tem "2 chapéus": é professor do ensino superior e é consultor de empresas.  Para além de educação, sabe de política, finanças, economia, gestão.  É informado e rigoroso, é inteligente, tem propostas, soluções, uma mundivisão humanista. Por que não o 'aproveita' este país? Os artigos que quinzenalmente publica no jornal Público são sempre os mais lidos, os mais partilhados em blogues, nas redes sociais. As pessoas querem lê-lo, ouvi-lo. Santana Castilho é um homem de coragem, independente de vassalagens. Denuncia a podridão da política, a incompetência dos políticos. E pensa com propriedade, honestidade, conhecimento das coisas. Qualidades que vêm sendo cada vez mais raras - ou propositadamente encobertas - pelos decisores, os 'opinion makers' deste país. Por que não lhe dão a visibilidade, o tempo de antena que o seu saber justificaria e nos beneficiaria a todos?

Ando há anos e anos à espera de ver, num qualquer canal de 'serviço público', um debate sério sobre educação. Um debate em que o contraditório seja esclarecedor, profícuo, as verdades ditas, analisadas. Um debate em que os 'oponentes' tenham "dois dedos de testa" e uma visão abrangente, um projecto. E que, sobretudo, saibam do que falam, do que efectivamente se passa nas escolas. 
Santana Castilho sabe-o como ninguém, e di-lo, e escreve sobre isso. Muito poucos aproveitam. Os visados, os que deveriam servir o interesse público, assobiam para o lado, imperdoavelmente ignoram-no, não sabem nem querem aprender.
À semelhança do que em outros tempos fizeram o Eça ou o Guerra Junqueiro, Santana Castilho vem de há muito traçando um retrato implacável destas pobres, podres políticas (as educacionais e as outras), desenhando em pinceladas certeiras o perfil deste povo amorfo, deste país imbecilizado. Povo, país que, definitivamente, não o merecem.


no Público de hoje,

Era uma vez a confiança
por Santana Castilho


A solução para os gravíssimos problemas que nos afectam é um empreendimento colectivo. Mas todos os empreendimentos colectivos falham se a sociedade não sentir confiança. As pessoas aceitam os sacrifícios se as convencerem de que eles resolvem os problemas. Confiança e reciprocidade são palavras-chave. Infelizmente, o Governo ignora-as. 

Os portugueses estão mergulhados em sofrimento: famílias envergonhadas, lançadas numa pobreza com que nunca sonharam; velhos sem dinheiro para a farmácia; jovens sem horizontes de futuro; crianças com fome; professores sem escola; desemprego galopante; empresas falidas; assaltos violentos todos os dias. Tudo contemplado por um Governo incontinente nas nomeações políticas, imoral na distribuição de benesses, insensível, perito em abater, incapaz de erigir, que não gera confiança. 

As alterações curriculares do sistema de ensino, já aplaudidas por alguns, são uma pantomina. São a evidência da boçalidade técnica dos que as propõem. A discussão pública que se segue já morreu, por uma questão de confiança metodológica. Gente séria e competente aborda o currículo assim: primeiro estabelecem-se as metas, isto é, o ponto de chegada dos alunos a ensinar; depois definem-se os programas que podem cumprir esses objectivos; e só no fim, obviamente, se fixam as cargas horárias adequadas. Mas o ministro começou por fixar já as horas para cada disciplina e a estrutura global. Chamou a isso a primeira etapa. Anunciou que a segunda será a definição das metas. E garantiu que só mais tarde reformulará os programas. Qualquer trapalhão não faria pior. O ministro não fundamentou. Achou! E eu acho que o ministro mentiu quando afirmou que a proposta de revisão curricular não foi feita "a olhar para orçamento". Porque qualquer cidadão minimamente informado sabe que dessa revisão jamais poderia resultar um acréscimo de despesa. Porque o orçamento não era uma variável. Era um determinante. O que vem a seguir é uma farsa. As metas e os conteúdos programáticos dependerão das horas já fixadas, vergando a pedagogia e as ciências à contabilidade, da qual a Educação é, hoje, mero adereço. Crato podia, ao menos, ter sido intelectualmente honesto. Não promovendo a discussão pública de algo cujos fundamentos ainda não foram estabelecidos. Não invocando pressupostos que nunca explicitou. Ele, que sempre falou da necessidade de reduzir a dispersão curricular no ensino básico, aumentou-a no 2º ciclo. Ele, que tinha a obrigação de acomodar a decisão errada de prolongar a escolaridade obrigatória até aos 18 anos com uma reorganização curricular do secundário, particularmente no que a vias técnicas e profissionais respeita, decidiu, apenas, uma mais que questionável quebra da carga horária no 12º ano (sem olhar ao orçamento, disse). Pediu contributos públicos. Aqui tem o meu. É pena que nenhuma televisão o confronte com alguém que lhe dissesse, na cara, o que a verdade reclama. 

Tenho à minha frente duas cartas assinadas pela presidente do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social. Numa, a incompetente presidente comunica a um cidadão (a quem os serviços que dirige reconheceram, anteriormente, isenção legal de contribuir para a segurança social) que lhe foi fixada, oficiosamente, a obrigação de pagar, todos os meses, a quantia de 186,13 euros, por ter tido, em 2010, um rendimento de … 600 euros. Na outra, da mesma bestial natureza, outro cidadão (com actividade legalmente suspensa e reconhecida como tal pela repartição de finanças da sua residência) é informado que a brincadeira a que a senhora preside lhe fixou uma mensalidade de 124,09 euros, por ter tido, em 2010, um rendimento de … 3.975. A primeira vítima pagaria 2.233,56 euros, por ter ganho … 600. E a segunda pagaria 1.489,08, isto é, quase metade do que ganhou, o que, apesar de tudo, a torna credora da arbitrária generosidade oficiosa: 600 pagam 2.233,56, mas 3.975 “só” pagam 1.489,08. É público que foram emitidas milhares de cartas deste teor (outra, denunciada neste jornal, aplicava a mesma chapa de 186,13 euros a um falecido em 1998). Quando a leviandade desta sócia do CDS foi branqueada com uma referência simples “a erro que vai ser corrigido”, foi-se, definitivamente, a confiança no ministro que a tutela, correligionário da mesma agremiação.

O ministro da Defesa foi recentemente à Mauritânia assinar um acordo. Viajou em Falcon. O Falcon avariou. Outro Falcon voou com uma equipa técnica para reparar o primeiro. Quanto custou tudo isto? Para o cidadão que não esqueceu a demagogia da suposta poupança em viagens aéreas, de início de mandato, que acontece à confiança?

Primeiro foi o secretário de Estado da juventude. Agora, foi o próprio primeiro-ministro que instigou milhares de professores a emigrarem. Salazar exportava negros sem qualificação profissional para as minas de ouro da África do Sul. Passos Coelho quer exportar, para qualquer África, jovens qualificados, cuja formação custou milhões. Eis o Estado Novo do século XXI, a passos de coelho. Que vergonha nacional este baixar de braços, esta confissão pública de incapacidade e de desistência, num país fustigado por um saldo populacional em queda alarmante. Não se pode governar promovendo a depressão colectiva e formatando a cabeça dos cidadãos para um futuro de miséria. Tamanha cobardia política arrasta na lama a confiança dos portugueses. 

George Orwell disse um dia que “ver o que está à frente do nariz requer uma luta constante”. Tanto maior, digo eu, quanto mais crescem os narizes dos políticos.

s.castilho@netcabo.pt

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