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25/06/15

a falência da zona euro


artigo em inglês no Guardian,
22/06/2015

por Aditya Chakrabortty *
tradução minha 

"A Grécia é um palco menor. A zona euro falhou, e os alemães também são vítimas disso."

Photograph: Matt Kenyon
«A moeda única afundou salários por todo o continente e atingiu sobremaneira os trabalhadores da sua economia número um.»
«Quase todas as discussões sobre o fiasco grego se baseiam num auto de moralidade, tipo a Malandra da Grécia versus a Nobre Europa. Aqueles arruaceiros dos gregos nunca deviam ter entrado para a zona euro, é o que diz esta estória. Uma vez lá dentro, meteram-se numa alhada de todo o tamanho - e agora a Europa é que tem de dar solução a isto.

São estas as questões base que agregam todos os Sabichões. Depois, os que estão mais à direita acrescentam que a inútil da Grécia ou aceita as condições da Europa, ou sai da moeda única. Os mais liberais empatam e tossem e pigarreiam antes de pedirem à Europa que mostre um pouco mais de caridade para com o endividado do sul . Seja qual for a solução que apresentem, os Sabichões estão todos de acordo sobre o problema: não é Bruxelas que está em falta, é Atenas. Oh, aqueles tontos dos gregos! É a atitude que se pressente quando Christine Lagarde do FMI entende criticar o governo grego por não ser suficientemente “adulto”. É essa atitude que legitima que a imprensa alemã se refira ao ministro grego das finanças, Yanis Varoufakis, como alguém que precisa de “ajuda psiquiátrica”.

Só há um problema com esta estória: como a maioria das moralidades, desfaz-se quando confrontada com a dura realidade. Atenas é, apenas, a pior manifestação de uma doença muito mais vasta no seio do projecto europeu. Porque a moeda única não está a funcionar para o europeu comum, do vale do Ruhr a Roma.

Isto dito, não fecho os olhos à corrupção endémica e à fuga de impostos na Grécia (nem, de resto, o faz o movimento dos  não-alinhados, Syriza, que chegou ao poder fazendo campanha precisamente contra estes vícios). Também não estou em vias de vestir uma camisola tipo a do Farage. Não, a minha acusação é muito mais simples: o projecto europeu está, não só, a falhar a concretização das promessas dos seus criadores, como a fazer o seu exacto oposto – destruindo os padrões de vida dos europeus comuns. E, como veremos, isto aplica-se inclusive àqueles que vivem na economia número um do continente, a Alemanha.

Comecemos por lembrar os nobres desafios a que se propôs o projecto europeu. Encarnemos o papel representado pelo alemão Helmut Schmidt e o francês Giscard d’Estaing, que lançaram as bases para o grandioso pólo unificador da Europa. Acima de tudo, lembremo-nos do que sentiam os verdadeiros crentes neste projecto. Vejamo-lo em Oskar Lafontaine, o ministro alemão das finanças, exactamente na véspera do lançamento do euro. Falava ele da “visão de uma Europa unida, que se alcançaria através da convergência gradual de padrões de vida, o aprofundamento da democracia, e o florescer de uma cultura verdadeiramente europeia”.

Podíamos citar mais um milhar de idênticas estrofes de euro-poesia, mas aquele único verso de Lafontaine mostra bem o quanto o projecto da moeda única falhou. Ao invés de elevar os níveis de vida por toda a Europa, a unidade monetária está a empurrá-los para baixo. Em vez de aprofundar a democracia, está a miná-la. Quanto a “uma cultura verdadeiramente europeia”, quando jornalistas alemães acusam ministros gregos de “psicose”, essa mítica ágora das nações está muito, mas muito distante.

Destas três acusações, a primeira é importantíssima, porquanto explica como toda a união está a ser minada. Para se ver o que aconteceu ao nível de vida do europeu comum, atente-se na extraordinária pesquisa publicada este ano por Heiner Flassbeck, antigo economista-chefe da Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento, das Nações Unidas, e Costas Lapavitsas, um professor de economia da Soas University of London que agora é deputado do Syriza.

Em Contra a Troika, o alemão e o grego publicam um gráfico que desmascara a ideia de que o euro elevou os níveis de vida. O que analisam são custos laborais por unidade – de quanto se precisa para pagar aos trabalhadores para fabricar uma unidade de produção: uma aplicação informática, por exemplo, ou um qualquer elemento de software. Fazem um mapa de custos laborais na zona euro, de 1999 a 2013. O que concluem é que os trabalhadores alemães praticamente não viram os seus salários aumentar neste período de 14 anos. Na curta vida do euro, os trabalhadores alemães foram menos bafejados que os franceses, os austríacos, os italianos e muitos da Europa do sul.

Sim, estamos a falar da mesma Alemanha: a economia mais poderosa do continente, aquela que até David Cameron inveja. No entanto, as pessoas que trabalham lá e tornam o país mais próspero não viram praticamente nenhuma recompensa pelos seus esforços. E este é o modelo para um continente.

Talvez tenham da Alemanha a imagem de um país de operários altamente qualificados e altamente remunerados, a trabalharem em fábricas reluzentes. Essa mão-de-obra (e os seus sindicatos) ainda existe – mas está em vias de extinção. O que a está a substituir, segundo relato do maior especialista alemão em desigualdade, Gerhard Bosch, são empregos da treta. O número de trabalhadores que se vendem por baixos salários disparou e estará agora aos níveis dos Estados Unidos, diz.

E não é o euro que é responsável por esta situação, mas sim o declínio gradual dos sindicatos alemães, e o outsourcing por parte das empresas, que optam pela mais barata Europa de leste. O que a moeda única fez foi transformar os problemas da Alemanha com os baixos salários na ruína de todo um continente.
Os salários dos trabalhadores em França, Itália, Espanha e no resto da zona euro estão agora a ser afectados pelo épico congelamento de salários em vigor no gigantesco país do meio. Flassbeck e Lapavitsas chamam a isto a política da Alemanha de “empobrecer o vizinho” – “mas só depois de empobrecer o seu próprio povo”.

No último século, os outros países na zona euro podiam ter-se tornado mais competitivos, desvalorizando a sua moeda nacional – tal como fez o Reino Unido depois do colapso da banca. Mas agora que fazem todos parte do mesmo clube, a única solução foi pagar menos aos trabalhadores.

É isto, expressamente, que a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI estão a dizer à Grécia: despeçam trabalhadores, paguem muito menos àqueles que ainda têm emprego, cortem nas reformas e pensões. Mas não é só na Grécia. De praticamente todas as reuniões dos Sabichões em Bruxelas e Estrasburgo sai o mesmo comunicado sobre a “reforma” do mercado de trabalho e dos benefícios da segurança social em todo o continente: uma mal disfarçada exigência para atacar os padrões de vida das pessoas comuns. É nisto que o nobre projecto europeu se está a tornar: uma marcha deprimente para o fundo. Não se trata de consolidar a democracia, mas de consolidar os mercados - e os dois são cada vez mais incompatíveis. A alemã Angela Merkel não teve nenhum prurido em se imiscuir nas questões democráticas de outros países europeus – advertindo tacitamente os gregos contra o voto no Syriza, por exemplo, ou forçando o primeiro ministro socialista espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, a cortar nos gastos com que se tinha comprometido e com que tinha ganho as eleições.

As tareias diplomáticas administradas ao Syriza desde que subiu ao poder este ano podem ser vistas apenas como a Europa a tentar estabelecer um exemplo para quaisquer eleitores espanhóis que possam ter a veleidade de apoiar o seu movimento-irmão, Podemos. Vão demasiado à esquerda, e têm o mesmo tratamento, é a mensagem que passa.

Quaisquer que fossem os ideais fundadores da zona euro, não se coadunam com a triste realidade de 2015. Esta é a revolução de Thatcher ou de Regan – só que, agora, à escala de um continente. E, como então, vem acompanhada da ideia de que Não Há Alternativa, quer para gerir uma economia, quer mesmo para os eleitores escolherem que tipo de governo querem.

O facto de todo este espectáculo ser posto em cena por Sabichões com bom ar, que amiúde reclamam serem sociais-democratas, não torna o projecto mais simpático ou gentil. Só dá à coisa um sabor amargo a hipocrisia.»

traduzido por AL a partir de: The Guardian

* senior economics commentator for the Guardian. He tweets @chakrabortty 

NT: na Grécia Antiga, a ágora era o espaço público por excelência, da cultura, da política e da vida social

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