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21/04/15

Mãos ao ar, o salário ou o emprego

no Público 
20 de Abril de 2015 

Por Francisco Louçã 

 Em tempo de esboços de programas de governo (serão mesmo propostas de governo?), Passos Coelho lembrou-se de sugerir que o país precisa, “como do pão para a boca”, de reduzir a contribuição patronal para a segurança social, ou seja, de diminuir a parte dos salários que vai para pagar pensões. Já o tinha proposto há três anos, voltou agora ao tema porque lhe parece um bom cabo eleitoral. Inconsistentemente, sem contas, sem propostas, só a bandeira, não queria mais – “do pão para a boca”, basta o petisco.

Passos Coelho quer convocar a velha tradição da direita (e do centro) que consiste em propor a resolução das dificuldades estruturais da economia diminuindo os salários directos ou indirectos, presentes ou futuros – e se forem todos, melhor ainda. Acha que é carta vencedora e que, pelo menos, isto lhe dará votos, se não trouxer soluções, porque delas cuida menos. Não está sozinho nesta cruzada.

Um dos episódios reveladores desta cultura abissal foi a fronda que se levantou contra o aumento de vinte euros no salário mínimo. A Comissão Europeia invectivou a medida, mas antes dela muitos liberais tinham alertado para o perigo. De facto, nem precisava, já há anos que disso se falava e contra esse desmando se escrevia em Portugal.

César das Neves, um católico muito católico e agora muito antipapista, entendeu que era uma questão de beneficência e de caridade: se os pobres trabalhadores receberem mais, isso vai estragar-lhes a vida. É melhor salvá-los desse risco de receberem mais vinte euros. Porque isso terá “consequências dramáticas sobre os pobres” e vai aumentar o seu desemprego.

André Azevedo Alves, professor da Universidade Católica e acólito da mesma ideia, veio acrescentar o argumento definitivo: vinte euros pode parecer pouco, mas é muito pelo padrão da Europa de Leste. E muito é demais.

Tudo previsível, não fora aparecer uma outra justificação deste ataque ao salário mínimo, desta vez das bandas do Partido Socialista. Martim Avillez, um cronista de direita no Expresso, descobriu essa cumplicidade e engalanou o seu artigo com elogios a Mário Centeno, um “economista arejado” do Banco de Portugal: “Bruxelas veio esta semana dar um valente puxão de orelhas ao Governo por avançar com o aumento do salário mínimo. Curiosamente, os argumentos que invocaram são os mesmos que Mário Centeno (sim, eis de novo o economista escolhido por António Costa para desenhar a sua estratégia eleitoral) também esgrime desde 2011: os riscos desse aumento parecem ser bem maiores do que os seus benefícios.”

Continua noutro artigo Martim Avillez: “Centeno foi um dos autores de um estudo sobre o salário mínimo muito usado por quem é contra os aumentos do SMN, porque conclui que pode haver efeitos negativos no emprego de trabalhadores pouco qualificados. Conclusão desse estudo: ‘Os aumentos do salário mínimo deverão sempre ter em conta a evolução dos ganhos de produtividade e serem definidos no conjunto de políticas que interferem com o custo do trabalho’.” Segundo o cronista, a citação diz tudo. Não deve haver aumento do salário mínimo.

Centeno, uma notável economista e professor, é de facto o mesmo que dirige o grupo para o “cenário macroeconómico” do PS, que será amanhã apresentado, e logo se verá o que nos diz tal cenário. Mas a sua posição é conhecida e merece consulta, não só sobre o salário mínimo mas sobre a legislação do trabalho no seu todo: em 2013, publicou um livro, “O Trabalho — Uma Visão de Mercado”, que apresenta o seu programa para a modificação das leis laborais.

Nesse livro critica “a legislação do mercado de trabalho português (que) promoveu a sua segmentação” (p.15) e “contribuiu para que se formasse em Portugal o mais desigual e menos eficiente mercado de trabalho do continente” (p.18). Acrescenta que a segmentação “introduz restrições na eficiente afetação dos trabalhadores aos postos de trabalho” (p.24), o que resulta de “barreiras que a regulamentação existente levanta à progressão laboral de alguns grupos de trabalhadores” (p. 38).

Continua Mário Centeno: “as dificuldades dos jovens no mercado decorrem da legislação de proteção ao emprego” (p.69), pelo que, contrariando a “ilusão protecionista”, será necessária uma reforma que “reduza os custos do despedimento (monetários e processuais), avance no sentido de uniformizar as diferentes formas contratuais e universalize o seguro de desemprego” (p.89). Em consequência, propõe um “contrato único” com “períodos experimentais longos” e “mecanismos de pré-aviso de despedimento que facilitem a procura de um novo emprego” (p.18).

Será isto que o PS nos vai propor? Acabar com a “ilusão protecionista” e “reduzir os custos do despedimento”? Passos Coelho só poderia estar de acordo, porque isso é “pão para a boca” das políticas liberais.
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