- as imagens das colunas laterais têm quase todas links ..
- nas páginas 'autónomas' (abaixo) vou recolhendo posts recuperados do 'vento 1', acrescentando algo novo ..

28/01/13

o poder de que os professores tristemente abdicam


É foto de capa do Público de domingo, mas a notícia da manif de professores do dia 26 e correlativas razões vem relegada para a página 18.
Bem medidas, 3 colunas de texto inócuo - tantas quantas as dedicadas ao 'caso Liliana', contrastando em relevância e prioridade com, por exemplo, as 4 inteiras páginas dedicadas à crise na Madeira, as 3 à entrevista a J. F. do Amaral mais ao seu "choque cambial", 2 ao congresso do PS e respectivas desavenças .. 
É certo que há duas páginas sobre o efeito da austeridade na vida de dois professores -- dispensável, por não trazer nada de novo, mais uma historieta à maneira dos "flagrantes da vida real" do Reader's Digest ..

Pois. Assim se vê (vejo) a relevância dada pelos media à educação, a abordagem 'soft' como se de mais um fait-divers se tratasse, calculo que feita por jovens e mal pagos jornalistas, sem preparação sem tempo sem apetência para grandes investigações: as perguntas-chave deixadas de fora, o relevo dado às queixas de sempre, lamúrias de manifestantes-só, sem outra consequência que não seja a exposição pública das ditas.
Ah, e esclareço desde já: a Ana Lima entrevistada e citada na notícia não sou eu. Anas há muitas, Limas, pelos vistos, ainda mais - até em Goa, uma miríade deles, diz-me quem por lá andou.

O título da notícia é elucidativo:

Milhares de professores regressaram à rua com "medo do amanhã"

Ora tivesse sido eu a Ana Lima entrevistada, e não seria de medo que falava, mas sim de raiva e revolta. Raiva, a começar, pela paspalhice sem ideias da Fenprof e sindicatos afectos. Que é isso de "uma semana de luto nas escolas", a propósito? Os profs vestidos de negro?!! Para quê, pergunto-me .. É claro que das nêsperas lesmáticas da UGT (que assina pactos com esta corja de malfeitores!!) não vale a pena nem falar, travão que sempre têm sido a qualquer forma de luta que lhes prejudique a imagem de bons rapazes). Só no tempo da megera Lurdes se uniram todos, sindicatos e os entretanto cadavéricos e mais-que-enterrados "Movimentos" (cadê?). Porquê então e não agora, pergunto-me, se a situação nunca esteve pior para os professores e para a sobrevivência desse serviço público chamado Educação?

A resposta, lamento dizê-lo, só pode ser uma destas tristes duas:
  1. os professores são maioritariamente PSDs acéfalos que se curvam às ordens do dono (o que me custa a crer..)
  2. o medo, a ousadia zero dessa classe a que não deixarei nunca de pertencer, pese embora a minha actual situação de aposentada. E, pensando bem, saí (antecipadamente) também por causa disso, a apatia generalizada que me dava cabo dos nervos e às vezes da compostura, a desinformação, o oportunismo de tantos.. É, há de tudo na classe docente, como em todas as outras classes de trabalhadores.  
O que - isso sim! - sempre reconhecerei, a (quase) todos os professores deste país é a imensa dedicação, a preocupação primeira com os seus alunos, o trabalharem apesar-de-tudo, apesar-de-todos. 
Não lhes perdoo é o generalizado 'amenzismo', o cumprimento de absolutamente tudo, inquestionado, «é a lei, que queres?», e o que eu batalhei contra esse conformismo. O cansaço de lutar (quase) sozinha: «devíamos fazer x, y e z, Ana faz tu que escreves bem» e a Ana a fazer, sempre, a afixar textos cartazes notícias e panfletos, o inútil gasto de energias para tentar acordar os meus pares, desapercebidos condenados ao cadafalso a quem tem de se explicar o que é uma forca e o subsequente efeito nos respectivos pescoços. E não posso deixar de pensar com amargura e revolta nas greves decisivas que a Fenprof ainda convocava, por exemplo aquela, crucial, contra o segundo Estatuto da Carreira Docente imposto pela senhora que "ganhou o país perdendo os professores". Fomos doze num universo de 80 - isto numa escola da Margem Sul, histórica pela resistência ao fascismo em primeira linha, sempre, a profunda e arreigada consciência política dos seus habitantes, muitos deles filiados no PC. Não agora, não nas escolas deste lado do Tejo.

Então, tivesse sido eu a Ana Lima entrevistada, e diria ao jornalista, parafraseando Santana Castilho:  
«Os professores sabem, têm a obrigação de saber, que todo o poder só se constrói sobre o consentimento dos que obedecem!»  

Dir-lhe-ia, ainda, que, estando embora presente, não acredito que seja com manifestações (por mais gigantescas e representativas) que se conseguem vitórias.
Dir-lhe-ia que os professores têm de se consciencializar do enorme poder que detêm, e usá-lo, sem medos nem mesquinhices. Têm de arriscar perder alguma coisa, dois, três dias, uma semana de salário, se querem ganhar esta guerra de batalhas tantas que, pelo menos desde MLR, deviam ter ferozmente vindo a travar:
por condições de trabalho dignas e gratificantes:
  • com tempo e espaço para se dedicarem à única função que é a sua, por definição: ensinar; (recusando a panóplia de tarefas burocráticas, mais as horas infindáveis de reuniões para, e é praticamente a isto que agora se destinam, interpretarem leis que mudam a uma velocidade supersónica e ao sabor dos variáveis humores ministeriais e lhes infernizam a vida!)
  • com um número de alunos por turma 'sustentável' (e 28 ou 30, no universo português de alunos na sua maioria desinteressados e indisciplinados é qualquer coisa de 'ingovernável'..)
  • com apoio de técnicos especializados para os casos de necessidades educativas especiais (desde logo, para bem dos alunos que dele necessitam, mas também de todos os outros que integram a turma..)
  • com programas e curricula estáveis e pensados seriamente, exequíveis, objectivados, apostando sempre na qualidade do ensino (nomeadamente em cursos 'alternativos', profissionais ou de "educação e formação")
por um salário igualmente digno, considerando, nomeadamente, os anos de estudo requeridos para o exercício da profissão - mais as contínuas formações obrigatórias (muitas delas pagas pelos próprios), mais as actualizações voluntárias e a auto-valorização pessoal e profissional (sem as quais, diga-se de passagem, não é possível acompanhar, nem os tempos, nem as expectativas/exigências dos alunos..)
por pausas reais, à semelhança de outros países europeus, em que férias escolares são férias para todos: alunos, professores e demais funcionários. É triste dizê-lo, mas até o ditador Salazar assumia essa necessidade, bem como a condição desgastante da profissão: para além do direito de faltar 2 dias por mês (oh sim, e eu sou do tempo dessa 'benesse' - que existiu até 1988/9), havia as diuturnidades e as fases, umas acrescentando valor salarial, outras redução de horário. E não, não havia avaliação de desempenho, como não havia essa mirabolante divisão entre "componente lectiva e não-lectiva"! É por demais óbvio e sabido por quem esteja de boa fé que grande parte do trabalho em aula é /tem de ser!! produto de trabalho redobrado em casa. A kafkiano-quantificada componente "não-lectiva" inventada pela sinistra Mª L. Rodrigues mais não é do que um propositado achincalhamento da função docente e uma proletarização da classe (que não beneficia ninguém!), trabalhos sem sentido impostos diariamente aos professores e que os amarram ao espaço-escola por horas infindáveis (11, 12 horas num dia e uma aula no meio disso tive eu nos últimos anos..), assim os incapacitando, física e sobretudo psicologicamente, para o trabalho que continuam a (ter de) fazer em casa - madrugadas dentro, os fins-de-semana que não têm, as 35 horas semanais multiplicadas por muitas mil, e é bom que o saibam os tantos que ainda nos reputam de privilegiados!!
por uma re-dignificação da classe e o respectivo reconhecimento por parte da sociedade, com o inerente direito 
  • ao exercício legítimo da autoridade  
  • ao respeito devido por alunos e respectivos pais, pela direcção da escola e, last but not least, o ministério tutelar.
por um retorno à gestão democrática das escolas (e alguém pode fazer o favor de me explicar o que é que a Escola ganhou com a imposição dos directores?!)
pelo fim dessa aberração-maior que dá pelo nome de agrupamento de escolas !!!

É, homónima Ana Lima,  não era só o modelo de avaliação (ainda que esta seja uma vertente seriíssima, porquanto danificou radical e inapelavelmente as escolas, transformando o que era um colectivo de cooperação numa feroz arena de competitividade individual) que nos levava massivamente a Lisboa, no tempo de MLR.

De há muito que clamamos, também, POR UMA ESCOLA PÚBLICA DE QUALIDADE. E que conseguiríamos em menos de uma semana, assim os professores (e com eles os sindicatos) a isso estivessem dispostos!
 

4 comentários:

Margarida Alegria disse...

Belíssimo post, Ana!~Diz tudo, absolutamente o que eu penso sobre isto tudo, bem como a opinião que tantos que estão revoltados contra isto tudo, sobretudo contra esse medo e falta de coerência que não se entende da parte de outros tantos!
Fizeste a lista de todas as reivindicações principais que deviamos fazer, como a de exigir o fim deste modelo de gestão (a meu ver o maior factor anti-coesão que se instalou nas escolas, por todo o clima de clientelismos e de bufaria e subserviência que cria e por cortar desde logo ao meio as lutas: os directores, na sua maioria, deixaram de se ver como parte do corpo docente, como colegas).
Li ontem essa pobre notícia, reparei nessa Ana Lima mas logo vi que, pelo teor da resposta não podias ser tu! Deve ser a mesma que apareceu a testemunhar, numa das reportagens de TV. O que leva a pensar... entrevistam sempre as mesmas pessoas? E não sabem argumenta mais que isto? para que se comportam certos professores como uns coitadinhos, em vez de exigir o que lhes é de direito, dadas as suas qualificações?.
Aquilo que contas sobre a obediência cega a tudo (ah, é a lei, temos de obedecer...) irrita-me sobremaneira: então para certas áreas como a didáctica, como é da imposição da absurda TLEBS ou do idiota AO/90, e de desalentar quaquer prof. de Português...
Tens aqui um post fantástico! No próximo meu que sair vou linkar para este texto, que merece ser lido e meditado por todos que puderem.
E ter de ser uma professora aposentada a lembrar estas verdades e direitos básicos...
Parabéns! Tens toda toda a razão!
beijinhos, amiga!
Margarida

AL disse...

Ei, Margarida, amiga querida!!!

Não me faças tantos elogios, que me pões a chorar sem apelo :s

Mas obrigada por este comentário fantástico, cheio de força! Foi bom ler-te assim inteira e 'enraivecida', o eco do que sinto no que sentes também tu, e o reiterar do que sempre soube: há Professores - com letra muito grande - do norte ao sul deste país e tu és, incontestavel e provadamente, uma deles.
Assim o inconformismo, a capacidade crítica e de acção fossem bem contagiosos!!

Bjinho grande!!!

Margarida Alegria disse...

Ena!
Agora és tu que me fazes corar com elogios, Ana!
E também a chorar...
Inconformismo e capacidade crítica estão/continuam cá. Já o poder de acção é cada vez mais limitado. Sou uma zé-ninguém e "risco" pouco perante os poderes estabelecidos.
Noutras escolas até o consegui um pouco, mas agora estou numa onde todas as cumplicidades e poderzitos já estão estabelecidos há muito, onde quem está revoltado fica a pregar no deserto, onde quem ousa protestar é etiquetado, nada conseguindo contra o conformismo local(mas há piores)...
Mas obrigada, pois é bom ouvir quem nos anima.
Um grande beijinho também para ti e goza em pleno a tua aposentação! (e escusado será dizer que continuarás com intervenções destas, pois , quando há paixão pela verdadeira Educação, uma professora nunca deixa de o ser.Daí maior mágoa por tudo o que se está a passar).

AL disse...

Querida amiga:
"riscarás" pouco, como eu e todos os que "pregam no deserto", mas "zé-ninguém" não serás nunca!
E sabes, sei, a maralha acéfala, subserviente, mesquinha, pequena de ideias e inteligência pode etiquetar-te (ainda bem!!!), chatear-te, o que seja. Tu, Margarida, és, serás sempre --incomensuravelmente! -- melhor que eles!

Bjinho grande!