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11/11/12

amanhã, algo de negro


publicado em 30 Out 2012 - 03:00- ionline

Por Nuno Ramos de Almeida *

No dia em que Merkel aterrar em Lisboa


do catalão Antoni Tàpies
Creio que foi o grande escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo, homem que tive o privilégio de entrevistar, de uma grande timidez mas com um requintado sentido de humor, que deu um dia uma espécie de grito do Ipiranga numa coluna da imprensa brasileira: Veríssimo surpreendeu os leitores afirmando que a partir daquele dia iria escrever unicamente em inglês. Tinha percebido que quem mandava não estava no Palácio do Planalto em Brasília, mas em Washington e em Wall Street. Para quê escrever para capatazes quando se podia protestar directamente com os mandantes? Para quê esperar que os senhores tivessem traduzidos os textos de opinião de culturas exóticas como a brasileira, se podiam ler directamente na língua dos senhores? Veríssimo declarou a sua vontade de uma forma peremptória: “A partir de agora vou escrever todos os textos em inglês, deixando apenas sem tradução expressões intraduzíveis do português, como ‘marketing’, ‘cash-flow’ e outras equivalentes.”

Sinto que tenho a tarefa mais dificultada, sou um mero jornalista e o meu alemão é péssimo, mas proponho aos meus caros leitores aproveitar um expediente: no dia 12 de Novembro a chanceler Angela Merkel vai aterrar em Lisboa para uma visita-relâmpago. Dará certamente um cubinho de açúcar na boca do Gaspar e do Coelho, picará o ponto em Belém e sairá rapidamente, como entrou, sem querer saber da vontade dos portugueses. Para os governos que servem os especuladores e o capital financeiro, a opinião dos cidadãos serve para embrulhar o peixe.

Basta nós querermos que as coisas podem ser vistas de outra maneira. No barco do euro está grande parte da Europa. Se os gregos ou os portugueses forem à falência, haverá uma reacção em cadeia, que levará à ruína muitas empresas e tornará incobráveis grande parte dos créditos. A moeda única implodirá. Nesse dia, os países do centro, cujos governos apenas pensam nos interesses dos grandes bancos, perderão uma fatia larga do seu rendimento. Um estudo de um banco suíço calculava perdas para a Alemanha superiores a 20% a 25% do seu PNB.

A política suicida que nos está a levar ao desastre baseia-se numa série de ilusões: a ilusão de que resulta, a ilusão de que não há alternativa e a suprema ilusão de que tem o apoio do voto democrático. É visível para todo o mundo, tirando Passos Coelho e Vítor Gaspar, que não resulta. É evidente que qualquer alternativa é melhor que o desastre a que esta nos está a levar. E, finalmente, este caminho está apenas sustentado na transformação dos nossos governos em cobradores do fraque dos nossos credores. Eles são o elo mais fraco: é preciso demonstrar que deixaram de ter o apoio dos seus povos para os fazer cair. Nada melhor que ser perante quem manda neles.

Há um colectivo de artistas com uma ideia que me parece poder expressar isso durante a visita-relâmpago da D. Merkel: nesse dia as praças das nossas cidades, as janelas das nossas casas, lojas, táxis e autocarros e todos nós termos algo de negro: negro pela pobreza, negro pelo desemprego, negro pelo futuro que nos querem roubar, mas sobretudo negro pela dignidade de quem não aceita comer e calar. Um povo dirá à chanceler Merkel, a todos os ministros e secretários de Estado que este país não é deles. Está nas nossas mãos tornar isto visível em todo o mundo: basta um pano negro. É mais fácil que falar alemão.

* Editor-executivo

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