publicado em 30 Out 2012 - 03:00- ionline
do catalão Antoni Tàpies |
Creio que foi o grande escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo,
homem que tive o privilégio de entrevistar, de uma grande timidez mas
com um requintado sentido de humor, que deu um dia uma espécie de grito
do Ipiranga numa coluna da imprensa brasileira: Veríssimo surpreendeu os
leitores afirmando que a partir daquele dia iria escrever unicamente em
inglês. Tinha percebido que quem mandava não estava no Palácio do
Planalto em Brasília, mas em Washington e em Wall Street. Para quê
escrever para capatazes quando se podia protestar directamente com os
mandantes? Para quê esperar que os senhores tivessem traduzidos os
textos de opinião de culturas exóticas como a brasileira, se podiam ler
directamente na língua dos senhores? Veríssimo declarou a sua vontade de
uma forma peremptória: “A partir de agora vou escrever todos os textos
em inglês, deixando apenas sem tradução expressões intraduzíveis do
português, como ‘marketing’, ‘cash-flow’ e outras equivalentes.”
Sinto que tenho a tarefa mais dificultada, sou um mero jornalista e o
meu alemão é péssimo, mas proponho aos meus caros leitores aproveitar um
expediente: no dia 12 de Novembro a chanceler Angela Merkel vai aterrar
em Lisboa para uma visita-relâmpago. Dará certamente um cubinho de
açúcar na boca do Gaspar e do Coelho, picará o ponto em Belém e sairá
rapidamente, como entrou, sem querer saber da vontade dos portugueses.
Para os governos que servem os especuladores e o capital financeiro, a
opinião dos cidadãos serve para embrulhar o peixe.
Basta nós querermos que as coisas podem ser vistas de outra maneira. No
barco do euro está grande parte da Europa. Se os gregos ou os
portugueses forem à falência, haverá uma reacção em cadeia, que levará à
ruína muitas empresas e tornará incobráveis grande parte dos créditos. A
moeda única implodirá. Nesse dia, os países do centro, cujos governos
apenas pensam nos interesses dos grandes bancos, perderão uma fatia
larga do seu rendimento. Um estudo de um banco suíço calculava perdas
para a Alemanha superiores a 20% a 25% do seu PNB.
A política suicida que nos está a levar ao desastre baseia-se numa
série de ilusões: a ilusão de que resulta, a ilusão de que não há
alternativa e a suprema ilusão de que tem o apoio do voto democrático. É
visível para todo o mundo, tirando Passos Coelho e Vítor Gaspar, que
não resulta. É evidente que qualquer alternativa é melhor que o desastre
a que esta nos está a levar. E, finalmente, este caminho está apenas
sustentado na transformação dos nossos governos em cobradores do fraque
dos nossos credores. Eles são o elo mais fraco: é preciso demonstrar que
deixaram de ter o apoio dos seus povos para os fazer cair. Nada melhor
que ser perante quem manda neles.
Há um colectivo de artistas com uma ideia que me parece poder expressar
isso durante a visita-relâmpago da D. Merkel: nesse dia as praças das
nossas cidades, as janelas das nossas casas, lojas, táxis e autocarros e
todos nós termos algo de negro: negro pela pobreza, negro pelo
desemprego, negro pelo futuro que nos querem roubar, mas sobretudo negro
pela dignidade de quem não aceita comer e calar. Um povo dirá à
chanceler Merkel, a todos os ministros e secretários de Estado que este
país não é deles. Está nas nossas mãos tornar isto visível em todo o
mundo: basta um pano negro. É mais fácil que falar alemão.
* Editor-executivo
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