publicado em 20 de Setembro de 2011
acabo de chegar a casa. estou exausta, enervada. passei 10 horas na escola, dei 2 aulas. o mais foram tarefas de treta, tempo de espera para a reunião das 18.20. na próxima 6ª feira tenho duas, no fim do meu dia de trabalho. não haverá tempo de espera. ao todo, terei estado 12 horas na escola. são tempos de cad e de gpi e do blogue da escola (que faço em casa), mais reuniões semanais ordinárias, mais reuniões extraordinárias quando calha e não refiles, reuniões basicamente para nada, em que já não aturamos sequer a presença, a voz do outro, reuniões que terminam de noite e em que se preenchem papéis e papéis e papéis com coisas que de qualquer forma faríamos -sem as registar e com muito mais disponibilidade. chego a casa e não consigo fazer nada do que supostamente deveria: preparar aulas, ver os mails dos meus alunos, orientar-lhes o trabalho no início do ano. não tenho energia nem para comer. apetece-me desabafar, ainda que saiba que não adianta, que poucos lerão e ainda menos vão entender, nada vai mudar, jamais. o ministro gaba-se dos seus (des)feitos e eu continuo com o mesmo horário sobrecarregadíssimo, tarefas sem sentido, burocracias que me devoram a alma e me aceleram as pulsações. podia agora tomar antidepressivos, ansiolíticos, dormir, esquecer a inutilidade disto tudo, a perversidade de um sistema vampiresco que me suga e suga e suga. nem dormir posso, para já, acordaria cedo demais e depois não conseguia dar as aulas, amanhã. não vejo televisão, ainda que, agora, só me apeteça estupidificar, deixar-me hipnotizar. deprime-me a mediocridade, as notícias dão-me náuseas, não aturo as mentiras dos políticos. também não oiço música, nada. quero um silêncio absoluto, telefones desligados, janelas fechadas. tenho 56 anos de idade, 33 e tal de serviço. sou hoje uma professora derrotada, desfeita. pudesse eu pedir isenção do serviço não-lectivo, reuniões, reuniões, reuniões e as pessoas que se levam tão a sério. reuniões para nada, fora do meu horário de trabalho, reuniões que não contam como horas extraordinárias como se não tivessem existido nunca, espremidas dão zero, dão sangue. a cada uma que aturo contrafeita penso que vou ter um ataque cardíaco, um avc. vou pedir a reforma antecipada. sei que depois de 33 anos e tal a descontar para a segurança social trarei para casa uma miséria, nem sei se chega a mil euros. estudei 18 anos para ser professora (4+7+5+2). Estava no último escalão da carreira, o ecd de maria de lurdes rodrigues recambiou-me para o nono, o sócrates pseudo-tudo reduziu os dois mil euros mensais que recebia para cerca de 1800, passos coelho das falsas promessas retirou-me os subsídios, de natal, de férias. estudei 18 anos, empenhei-me, aperfeiçoei-me, dediquei muitos anos à escola, tantas vezes com prejuízo da minha família, o tempo, a paciência que dedicava aos alunos e faltava depois ao meu filho. tantas vezes. a sinistra matou-me, matou-nos, os efeitos sentem-se numa continuidade de ondas. isabel alçada e nuno crato não fizeram NADA para me devolver à vida. a escola-instituição, é, desde há 6 anos, um pesadelo. dias há em que chego e não consigo entrar. fico cá fora à chuva ao vento à canícula, fumo cigarros atrás de cigarros até chegar a hora de dar a aula propriamente dita. apetece-me fugir, hibernar, às vezes morrer. hoje, de volta a casa, uma condução que poderia ter-me custado a vida, a falta de reflexos pelo cansaço extremo, e a ânsia, a urgência de me afastar dali o mais rápido possível. o stress, a revolta pelas condições de trabalho que me impõem e que não vão mudar nunca. horas e horas na escola, tarefas sem sentido, 30 e tal graus dentro de uma sala ouvindo que a turma, que foi minha no ano passado, tem 16 rapazes e 14 raparigas que os alunos preferem sair com os amigos a ler livros que que que que.. kafka na sua expressão absoluta. estou cansada, não quero repetir isto amanhã, e depois, nas duas semanas em que duram as reuniões extra-horário, extra tudo. ouvi, e não quis acreditar: "um aluno que seja mandado para a sala de estudo sem tarefa regressa à sala de aula - de que foi expulso por mau comportamento". pensei numa loucura colectiva e irreversível que nos atinge, que fazemos todos parte de um maquiavélico plano de extermínio. chega. eu era uma professora entusiasmada. gostava de procurar e preparar materiais para os meus alunos, de aprender pesquisando, experimentando. e lia, lia muito, fiz para eles blogues e moodle e páginas web com escritores, música, história, cultura - em inglês francês espanhol alemão português. meti-me no projecto e-twinning e e-learning e fui auto-didacta e trabalhei milhares e milhares de horas aos fins-de-semana, em férias. tudo fiz por gosto, num tempo em que alegadamente os professores "não eram avaliados". agora só quero não pensar, se possível fugir fugir fugir. falta-me o tempo e o ar, não posso senão ir-me embora.
3 comentários:
Só agora descobri este post.
Relatas na perfeição o que se passa! Então essas reuniões para fazer perfil da turma são absolutamente estupidificantes, quando depois o sistema embrutecedor nos deixa tão cansadas para conversar com os alunos num intervalo ou para lhes prestar real atenção. Um sistema que obriga a fazer uma descrição quase pidesca da vida dos alunos, mas que bloqueia ao mesmo tempo os laços que se conseguiam dantes estabelecer com as turmas, a partir de situações muito mais simples, como o tal entusiasmo de pesquisar para os alunos, criar projectos com eles (que não os estúpidos obrigatórios de Área de Projecto), ter uma escola fervilhante, viva.
Isso já era.
E depois esta ditadura, agora, do estar sempre ligado: os moodles, os mails da escola, as convocatórias online entre pessoas que estiveram na mesma sala de profs há umas horas e nada disseram, os trabalhos online, as correcções online, os recibos online.... :((
Não sabia que tinhas perdido a reforma antecipada...
Pelo que relatas e de como te sentias, fizaeste bem. A saúde está primeiro. Isto de qualquer forma está a caminho de implodir... e não tarda as pessoas são obrigadas a reformar-se a troco de nada.
Desgastam os mais experientes, para os forçar a partir e depois contratarem os mais precários e baratos, geralmente mais submissos e acríticos.
Espero que essa reforma seja aceite quanto antes. Mas vê lá, agora não te enfies em casa todo o dia! Tens uma bela praia aí ao pé.
Da próxima vez que for a Lisboa telefono e lá havemos de nos encontrar nem que seja para tomar um cafezinho! Mas vou sempre tanto a correr, só para manifestações!LOL (da última foi o 15 de Outubro e foi inesperadamente que reeencontrei a Sílvia, sem nada combinado! Foi demais!)
Força aí, ma Chéri!
Beijos :)
Cara "ventoquepassa"
Só hoje, e por mero acaso, descobri o seu blogue.Tal como a colega, estou a ficar no limite das minhas forças e por isso tenciono pedir a reforma antecipada daqui a 3 anos (quando completar os 57 de idade)Não dá para continuar mais além. Tristeza e desmotivação são as minhas companhias diárias.
Para "ventoquepassa" desejo as maiores felicidades e que lhe seja concedida a reforma para que possa beneficiar de alguma qualidade de vida longe do manicónio em que se transformou a escola pública.
Tudo de bom.
Olá Margarida, 'bibónorte'..
Vou-me aguentando pelo "manicómio" .. tento passar ao lado das burocracias, papéis, reuniões e concentrar-me naquilo que realmente me levou a ser professora: as aulas e os alunos, ainda que algumas turmas me dêem cabo dos nervos. É sobretudo a falta de interesse por parte de tantos, a cultura do facilitismo, do copianço, da desresponsabilização, que me desgastam. A sensação que às vezes tenho de que não estou lá a fazer nada, e o barulho que cada vez aguento pior. Mas 'vou levando' ..
Obrigada pelo vosso apoio!
Beijo, abraço,
Ana
Enviar um comentário