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04/05/15

"De novo o puxempurra"

no Público,
04/05/2015

por Rui Tavares

Durante este fim de semana foram resgatados com vida mais de quatro mil refugiados no Mediterrâneo. Os sobreviventes dão menos notícias de jornal do que os mortos mas não deixa de ser importante regressar a este assunto.

Após o naufrágio que, no passado mês de abril, causou a morte a pouco menos de um milhar de refugiados, ouvimos de novo as velhas teorias de que estes fluxos são determinados por dois fatores a que normalmente se dão os nomes em inglês — “pull factor” e “push factor” — ou, traduzindo assim diretamente, “fator puxa” e “fator empurra”.
O “fator puxa”, segundo os opositores a uma política humanitária de refugiados, é suposto ser o mais importante dos dois. De acordo com esta teoria, o problema da política humanitária é que ela atrai os refugiados “puxando” por eles. Além da extrema-direita europeia, e uma boa parte da direita, esta teoria é também defendida pelo governo australiano, que decidiu aconselhar os governos europeus a desviarem todos os barcos de refugiados (para onde?) para diminuir o “fator puxa”. E, infelizmente, os próprios governos europeus parecem ter adotado parcialmente esta teoria ao considerarem a opção de ataques militares para enfraquecer a ação dos passadores e traficantes de seres humanos.

Caso os fluxos migratórios fossem determinados pelo “fator puxa”, não haveria maior travão a eles do que as sucessivas tragédias que têm matado milhares de pessoas no Mediterrâneo. Ninguém joga com a sua vida em tais probabilidades se não estiver convencido de que onde está as probabilidades de sobrevivência são ainda piores. Basta olhar para a lista de países de onde a maioria deles provêm — da Síria à Eritreia — para ter um grande grau de certeza de que o fator “empurra” é o fator decisivo. Os refugiados são ativamente empurrados para fora dos seus países pela guerra civil ou, no caso eritreu, por uma ditadura brutal que condena à prisão perpétua todos os jovens que se recusarem a fazer o serviço militar de duração indefinida que basicamente se assemelha a trabalhos forçados em campos de concentração no deserto. Comparado com isto, a simples fuga ao inferno já é fator de atração suficiente.

*** 

Mas na Europa há um outro tipo de puxa e empurra: é o jogo que se faz para evitar lidar com este assunto. Os governos europeus encontraram na União o alibi ideal para fugirem às suas responsabilidades políticas. Se tomados individualmente, cada um deles diz que o problema é europeu e precisa de uma solução europeia. Quando reunidos, todos impedem qualquer proposta, venha ela da Comissão ou do Parlamento, de ser implementada. Ao chegar a casa, ouvirão os seus cidadãos dizer que a culpa desta vergonha é “da Europa”. A União converteu-se assim no mais eficaz mecanismo de reciclagem de responsabilidades de que há memória.

A pergunta certa é: qual Europa? Se por Europa entendermos as mal amadas instituições de Bruxelas e Estrasburgo, não faltam possibilidades de resolução desta crise humanitária, em base legal, financiamento ou possibilidades de coordenação. Mas se por Europa entendermos os governos nacionais que fazem parte da União, aí teremos acertado: as culpas da inação estão, desta vez, bem pertinho de casa.

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