publicado em 15 Abr 2014
por Nuno Ramos de Almeida*
A democracia está em crise porque está esvaziada. O governo dos credores transformou-a num simulacro. É preciso recuperá-la.
de Júlio Pomar |
Um dos dados mais preocupantes da sondagem sobre o 25 de Abril publicada pelo i e realizada pela Pitagórica é que apenas pouco mais de 1% dos inquiridos consideram a liberdade de expressão uma das conquistas mais importantes da Revolução. Numa entrevista que fiz recentemente, uma jovem dizia que a liberdade de expressão é importante, a única coisa que falhava é que depois não ouviam o que as pessoas expressavam. O povo sente que a liberdade não serve para nada.
Não fechemos os olhos: 40 anos depois da Revolução temos uma democracia que está esvaziada, em que as pessoas foram afastadas dos centros de decisão. A liberdade e a democracia são jogos catárticos que servem para dar uma ilusão de livre arbítrio num regime em que tudo se decide nos conselhos de administração dos sítios do costume e no seu braço armado, que são as instituições da troika servidas pelo governo.
Só assim se percebe que uma crise que começou devido à especulação desenfreada tenha sido paga pelos cidadãos. Verificou-se uma espécie de inversão do conhecido slogan da extrema-esquerda: "Os ricos que paguem a crise." Aqui são os que menos têm que pagam tudo. Como dizia o filósofo Slavoj Zizek, temos uma espécie de comunismo para banqueiros, em que os prejuízos são nacionalizados, pagos por todos nós, e os lucros são privatizados e vão só para os ricos. Exemplo disso é este facto revelado pelos jornais: no pico da pior crise nacional, os salários e as reformas baixaram abruptamente, mas os rendimentos dos mais ricos e dos gestores de topo subiram exponencialmente. Sobre estes dados publicados na segunda-feira, o jornalista Filipe Paiva Cardoso escreve: "É de salientar que no período analisado [2006 a 2012] os gestores das empresas portuguesas na bolsa passaram de receber o equivalente a 25,5 salários médios dos seus colaboradores para o equivalente a 44 salários - isto quando grande parte dos trabalhadores viu o salário reduzido."Sempre que há eleições, brindam-nos com um dia de reflexão para podermos meditar sobre as consequências do voto. Não vá um espirro afectar a calma resignação dos nossos neurónios. Nos dias que se seguem ao sufrágio, oferecem- -nos as soluções do costume, independentemente da nossa vontade. Dizem--nos: "Não vamos subir os impostos", e sobem-nos até à estratosfera. Garantem-nos: "Honraremos o nosso compromisso com os reformados", e cortam sistematicamente as reformas. Prometem: "Não vamos aumentar o desemprego", e produzem afincadamente desempregados e garantem que quem trabalhe possa receber até menos que o salário mínimo.É importante que isto seja completamente diferente nas próximas eleições em Maio. Mais que de um dia de carneiros precisamos de um dia de raiva. Aqueles que não estão contentes com a sangria dos reformados, com a destruição dos serviços públicos, com o enriquecimento dos agiotas, devem poder expressar-se e dizer basta. Garantem-nos que as manifestações não servem para nada, e que mudar de voto não leva a lado nenhum. Mas cada vez mais a gente tem menos a perder, e as imagens que circulam por todo o mundo provam-nos que quando um povo é encostado à parede a rua que instaurou a liberdade e a democracia em Portugal pode voltar a expressar-se. Mais que de um dia de reflexão, precisamos de um dia de raiva que mostre que nas nossas veias corre sangue, e que não aceitamos este roubo continuado daqueles que menos têm, dos trabalhadores e de todos aqueles que trabalharam uma vida inteira.A palavra "democracia" quer dizer poder do povo. Limpemos a sujidade que a envolve e possa o povo ser quem mais ordena, como diz a canção, nas ruas e nas urnas. -- fonte
*Editor-executivo
Escreve à terça-feira
Sem comentários:
Enviar um comentário