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17/04/14

"Deflação, sim ou não, eis a questão"

no jornal i
publicado em 16 Abr 2014 

por Carlos Moreno*

Com toda a simplicidade, deflação é o processo oposto à inflação e consubstancia-se na desaceleração continuada do ritmo de aumento dos preços
Pensei dedicar este artigo a alguns temas ou notícias que marcam a actualidade. Por exemplo, aos resultados da sondagem publicitada por este jornal na segunda-feira passada que expressam a má imagem que o povo tem da classe política dos tempos da democracia; ao espanto de muita gente ao descobrir que o salário mínimo actual valia menos 50 euros que o fixado em 1974; à quebra perigosa de quase 10% nos salários dos licenciados, só em dois anos; às mudanças no regime de pensões e reformas, ao seu kafkiano processo de introdução na praça pública em simultâneo com inquietante opacidade sobre o respectivo conteúdo; ao choque de se saber que mais de 120 mil crianças só com a ajuda de instituições de solidariedade puderam comer em 2013; à dúvida não dissipada sobre se a atracção de investimento estrangeiro, vital, continua um patinho demasiado feio ou se transfigurou num cisne branco de neve; enfim, à vexata questio da renegociação da dívida pública e da interpretação e aplicação futuras do Tratado Orçamental europeu. 

Acabei por optar por um alerta relativo a um tema que alguns consideram já uma panela de pressão que poderá rebentar na Europa - o da deflação. 

Com toda a simplicidade, deflação é o processo oposto à inflação e consubstancia-se na desaceleração continuada do ritmo de aumento dos preços. A inflação, que todos conhecemos bem, reduz o valor real do dinheiro com o tempo e obriga a comprar menor quantidade de bens e serviços com o mesmo montante. Ao contrário, a deflação aumenta o valor real do dinheiro e permite comprar uma quantidade maior de produtos com o mesmo montante de moeda. 

Nos últimos anos, na Europa, um euro forte, salários baixos e procura fraca originaram crescimento anémico ou até negativo e níveis de inflação baixos. 

Ultimamente, verificou-se que os preços, já baixos, após terem recuado 0,1% em Fevereiro, voltaram a cair, 0,4%, em Março, comparativamente com igual mês do ano precedente, o que representou a maior queda homóloga dos últimos quatro anos. As campainhas de alarme soaram. 

Uma crise de deflação ou de preços em queda continuada é, como expressivamente resumiu o Dr. Pedro Santos Guerreiro no último "Expresso", "mais perigosa que a hiperinflação, porque há menos ferramentas para a resolver. Como os produtos vão ser mais baratos amanhã, os consumidores não gastam hoje - e portanto não gastam nunca. As empresas deixam de vender, de produzir, de empregar; as receitas dos impostos caem, os estados entram em défice, endividam-se... um inferno". 

Na Europa as taxas de juro estão perto de zero, pelo que ao Banco Central Europeu mais não restará, para fazer frente a uma tal eventualidade, que injectar moeda, ou seja, adoptar um plano de expansão monetária e de compra de activos financeiros, em moldes parecidos com o que foi feito nos EUA e no Reino Unido, para tentar fazer subir preços e desvalorizar o euro. 

Mesmo contrariando tudo o que jurou nunca fazer, o BCE, na semana passada, entreabriu as portas à possibilidade de injectar moeda. Mas, segundo analistas credíveis, parece apavorado com a eventual baixa prolongada de preços e, para já, atira o problema para debaixo do tapete. 

O BCE não pode menosprezar a realidade europeia actual, marcada pelo risco de deflação ou de inflação baixa durante período prolongado e continuar a ignorar os alertas que têm sido protagonizados pelo FMI e por diversas instituições ligadas à investigação económica. 

Saber ouvir e agir tempestivamente poderá salvar a Europa de nova e mais dura catástrofe económica e social - a de uma espiral deflacionista. Deflação, sim ou não, é pois questão fulcral no actual momento europeu. Nem eleições europeias a 25 de Maio a devem escamotear. -- fonte

*Juiz conselheiro jubilado do Tribunal de Contas 
Escreve quinzenalmente à quarta-feira

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