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04/09/13

"Bom senso"

no i online,
publicado em 4 Set 2013

por Carlos Moreno *

Bom senso


Há fronteiras que numa democracia adulta não devem ser ultrapassadas, em particular pelos titulares de órgãos de soberania nos quais o povo põe os olhos e segue o exemplo 

Na sequência do recente chumbo pelo Tribunal Constitucional (TC) de duas normas do diploma que tinha por fim último despedir efectivos da função pública (matéria que não vou aqui analisar), o primeiro-ministro fez declarações públicas que chocaram a sensibilidade de muitos.

Repesco da generalidade dos meios de comunicação social os factos.

Após publicitado o acórdão do TC, o chefe do executivo exprimiu sem hesitações que o principal entrave à reforma do Estado não é a Constituição da República Portuguesa (CRP), mas a interpretação que dela faz o TC, a cujos juízes, disse, falta bom senso. O primeiro-ministro acrescentou ainda que a decisão do TC poderia acarretar soluções mais gravosas para os funcionários do Estado ou para os portugueses em geral, tendo deixado pairar demasiadas ambiguidades sobre novo aumento de impostos e/ou um segundo resgate. E numa espécie de pergunta não inocente aos cidadãos questionou-os sobre o que a Constituição tem valido aos milhares de desempregados.

Estas declarações não devem ser banalizadas, esquecidas ou entendidas como fazendo parte de uma qualquer quezília emocional, sem antecedentes e irrepetível entre o governo e o TC. Há fronteiras que numa democracia adulta não devem ser ultrapassadas, muito em particular pelos titulares de órgãos de soberania, nos quais o povo põe os olhos e segue o seu exemplo.

Estado democrático e de direito é aquele em que os mais altos responsáveis políticos são eleitos pelo povo, e tanto eles como os cidadãos devem estrita obediência às leis promulgadas e publicadas, em particular às normas constitucionais.

Estado democrático significa que o governo cabe ao povo, mas como, nos tempos actuais, é impossível a governação directa por aquele, o governo é entregue aos eleitos do povo.

Estado de direito é aquele em que vigora o "império da lei". Isto é, só os órgãos previstos na Constituição podem criar leis, todos a elas ficam sujeitos, incluindo o Estado e os seus órgãos de soberania, e todo o poder estatal é limitado pela lei. 

Em todos os Estados modernos ocidentais, que são Estados democráticos e de direito, encontramos três poderes ou funções: o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial. O primeiro é o que faz as leis. O segundo é o que governa ou administra a coisa pública. O terceiro é o que controla a conformidade da acção dos anteriores com a lei, máxime com a lei fundamental que, no nosso país, é a Constituição. É o último a decidir e as suas decisões, quando transitadas em julgado, impõem-se a todos.

A interpretação da lei constitucional cabe em última instância ao TC e a decisão deste, embora possa, como tudo em democracia, ser analisada e criticada, exige, sobretudo da parte dos demais órgãos de soberania, e dos seus titulares, respeito institucional e pessoal.

Desconhecendo os portugueses o que é a apregoada "reforma do Estado", pois não foi ainda divulgado, pelo governo, o seu conteúdo, os seus objectivos, a sua quantificação e o seu calendário, não se compreende que se chame reforma do Estado a medidas avulsas de meros cortes na despesa com o despedimento de funcionários públicos e com a redução das reformas dos aposentados da Caixa Geral de Aposentações.

As declarações do chefe do governo, no fim-de-semana passado e já atrás referidas, levantam várias perplexidades que só o futuro poderá esclarecer. Refiro duas.

Voltar a assustar as classes médias, quando a economia dá alguns sinais de recuperação, é erro estratégico imperdoável.

Criticar a pessoa dos juízes do TC nas suas capacidades intelectuais, profissionais e humanas, revela, benignamente falando, menos compostura cívica e falta de bom senso. 

fonte

*Juiz conselheiro jubilado do Tribunal de Contas 
Escreve quinzenalmente à quarta-feira

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