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30/07/14

A vã-glória de um atirador furtivo

no Público,
30 de Julho de 2014


por Santana Castilho *
 A vã-glória de um atirador furtivo

Sobre a PACC (Prova de Avaliação de Conhecimentos e Competências) dos professores já me pronunciei sobejas vezes, a primeira das quais nesta coluna, em 7 de Fevereiro de 2008. O que passo a escrever tem duas finalidades: apelar à memória escassa da maioria, para melhor compreendermos a atitude ignóbil de Nuno Crato, e denunciar com frontalidade que a fixação do ministro no papel sacro dos instrumentos de avaliação é demencial.

Com o truque que todos conhecemos, para impedir que os sindicatos pudessem apresentar um pré-aviso de greve, o ministro da Educação actuou sem educação nem escrúpulos. Usou o capote da desfaçatez para bandarilhar uma lei da República, que protege um direito fundamental. Portou-se como um caçador furtivo a atirar sobre cidadãos que o Estado enganou, com dolo agravado por habilidades grosseiras. E foi a primeira vez que assim se desvinculou da ética política e da lealdade que deve àqueles que governa? Não, não foi! Os exemplos repetem-se e há muito que vêm desenhando um carácter.

Foi ele que, em início de mandato, revogou os prémios de mérito dos alunos, sem aviso prévio e atempado, quando eles já tinham cumprido a sua parte.

Foi ele que obrigou crianças com necessidades educativas especiais a sujeitarem-se a exames nacionais, em circunstâncias que não respeitaram o seu perfil de funcionalidade, com o cinismo cauteloso de as retirar, depois, do tratamento estatístico dos resultados.

Foi ele que, dias antes das inscrições nos exames do 12º ano, mudou unilateralmente as regras, ferindo de morte a confiança que qualquer estudante devia ter no Estado.

Foi ele que, a uma sexta-feira, simbolicamente 13, sem que se conhecessem os créditos atribuídos às escolas, sem que as matrículas estivessem terminadas e as turmas constituídas, obrigou os directores a determinarem e comunicarem o número de “horários zero” para 2012-2013, sob ameaça de procedimento disciplinar, lançando na angústia milhares de docentes com dezenas de anos de serviço para, na semana seguinte, recuperar o que antes havia levianamente subtraído. Foi ele que abriu esse concurso com uma lei e o encerrou com outra, num alarde gritante de discricionariedade nunca vista.

A conferência de imprensa, significativamente marcada para o horário nobre do dia da prova da humilhação dos professores, mostrou-nos um ministro obcecado pela vã-glória que a jornada lhe proporcionou, incapaz de discernir, como qualquer alienado, que o seu fundamentalismo patológico sobre o papel dos instrumentos de avaliação está a destruir o sistema nacional de ensino. Os professores são cada vez mais meros aplicadores das mediocridades do IAVE e cada vez menos professores. O tempo do ensino é comido pela loucura de tudo examinar, com provas cheias de erros inconcebíveis e qualidade duvidosa. Todo o ano, tudo se verga aos exames e à alienação que provocam. Preparar exames, treinar para exames, substituir tempos de aulas por tempos para fazer exames, corrigir exames, tirar ilações de “rankings”, pagar a Cambridge e não pagar aos nacionais. E quando os problemas surgem, o ministro puxa pela cabeça doente e chama a polícia. Sim, cidadão que me lê, olhe para as televisões e reconheça que, quando se tornou banal a presença da polícia dentro das nossas escolas, algo vai mal com a democracia que devíamos ensinar aos seus filhos.

Para que serviu o segundo exame aplicado às crianças do 1º ciclo do básico, um mês depois de terem reprovado no primeiro, senão para mostrar que o modelo é inadequado?

Para que serviu a avaliação dos centros de investigação, senão para destruir o que foi laboriosamente construído ao longo das duas últimas décadas, transferir para o estrangeiro uma fatia do parco erário público e mostrar que a fraude é permitida e fica impune?

Em matéria de exames, é factual, o país nunca tinha assistido a tantos dislates como os que o “rigor” de Crato já nos proporcionou: efectivação de provas na ausência de secretariado de exames; exames realizados sem professores suplentes e sem professores coadjuvantes; exames vigiados por professores que leccionaram a disciplina em exame; ausência de controlo sobre a existência de parentesco entre examinandos e vigilantes; salas invadidas e interrupção de provas; tumultos que obrigaram à intervenção da polícia; desacatos ruidosos em lugar do silêncio devido; sigilo quebrado com o uso descontrolado de telefones e outros meios de comunicação electrónica; alunos e professores aglomerados em refeitórios; provas iniciadas depois do tempo regulamentar.

Estes exames e esta política vieram, no dizer de Nuno Crato, para conferir rigor e exigência ao sistema e, nessa medida, o estabilizarem. Mostram as evidências de que rigor falamos e demonstram os factos (e a polícia) que, em vez de estabilidade, temos instabilidade como há muito não existia. Se alguma coisa faz sentido é admitir que estes exames só servem um maquiavélico projecto de elitização do ensino.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

24/07/14

"O poder simbólico dos professores"

recebido via e-mail

em Ensino Magazine
por João Ruivo

Com o lento passar do tempo e da memória colectiva, gerações após gerações os professores ajudaram a elaborar a imagem social de uma profissão de dádiva absoluta e incontestável entrega. 

O poder simbólico da actividade docente leva a que os professores sintam sobre os seus ombros a utópica tarefa de mudar, para melhor, o mundo; de traçar os novos caminhos do futuro e de preparar todos e cada um para que aí, nesse desconhecido vindouro, venham a ser cidadãos de corpo inteiro e, simultaneamente, mulheres e homens felizes. É obra! 

Ao mesmo tempo que a humanidade construiu uma sociedade altamente dependente de tecnologias dominadoras, transferiu da religião para a escola a ingénua crença de que o professor, por si só, pode miraculosamente desenvolver os eleitos, incluir os excluídos, saciar os insatisfeitos, motivar os desalentados e devolvê-los à sociedade, sãos e salvos, com certificação de qualidade e garantia perpétua de actualização permanente. 

O emergir da sociedade do conhecimento acentuou muitas assimetrias sociais. Cada vez é maior o fosso entre os que tudo têm e os que lutam para ter algum; entre os que participam e os que são marginalizados e impedidos de cooperar; entre os que protagonizam e os que se limitam a aplaudir; entre os literatos dos múltiplos códigos e os que nem têm acesso à informação. 

E é este mundo de desigualdades que exige à escola e ao professor a tarefa alquimista de homogeneizar as diferenças. 

Os professores podem e estão habituados a fazer muito e bem. Têm sido os líderes das forças de sinergia que mantêm os sistemas sociais e económicos em equilíbrio dinâmico. São eles que, no silêncio de cada dia, e sem invocar méritos desnecessários, evitam que muitas famílias se disfuncionalizem, que as sociedades se desagreguem, que os estados se desestruturem, que as religiões se corroam. 
Mas não podem fazer tudo. Melhor diríamos: é injusto que se lhes peça que façam ainda mais. Particularmente quando quem o solicita sabe, melhor que ninguém, que se falseia quando se tenta culpabilizar a escola e os professores pelos mais variados incumprimentos imputáveis à sistemática incompetência dos ministros, do demissionismo e laxismo das famílias, da sociedade e do próprio Estado tutelar. 

É bom que se repita: os professores, por mais que se deseje, infelizmente não têm esse poder extraordinário. Dizemos infelizmente porque, se por feitiço o tivessem, nunca tamanho domínio estaria em tão boas e competentes mãos. 

E é precisamente porque nunca foram tocados por qualquer força sobrenatural que os professores, como qualquer outro profissional, também estão sujeitos à erosão das suas competências; que, como qualquer técnico altamente qualificado, eles também necessitam de actualização permanente. E é por isso mesmo que os docentes reclamam uma avaliação justa do seu esforço profissional. Todas as escolas preparam impreparados. Até as que formam professores. Sempre foi assim e, daí, nunca veio mal ao mundo. É a sequência e a consequência da evolução dialéctica das sociedades e das mentalidades. 
Por isso, centrar a discussão no excesso de escolas e de professores, como se tal fosse estigma exclusivo desta classe e justificasse as perversas iniciativas ministeriais de despedimentos colectivos, traduz uma inqualificável atitude de desprezo da tutela pela verdade e pela busca de soluções credíveis e partilhadas. 

Admitir que a escola pode resolver todos os problemas e contradições da sociedade, resulta em transformá-la em vítima evidente do seu próprio progresso. 

Os docentes não podem solucionar a totalidade dos problemas com que se confrontam as sociedades contemporâneas, sobretudo se não tiverem o incondicional apoio do Estado, das famílias e das instituições sociais que envolvem a comunidade escolar. 

Os professores não têm o poder de operar prodígios. São profissionais, de corpo inteiro e altamente qualificados. 

A nossa sociedade não se pode dar ao luxo de os deixar, parados, no desemprego, mesmo que encapotado. 

No estádio de desenvolvimento de Portugal, face aos seus parceiros europeus, é preciso que se diga e repita todos os dias que não temos professores e escolas a mais. 

Por tudo isso, por favor não os obriguem a ser mais do que são, ou nunca serão o que o futuro lhes exige que venham a ser. - fonte

 ruivo@rvj.pt

um governo manhoso

ainda a PACC:
«Onde é que isto serviu para a "dignificação da profissão docente"? 
Não serviu para nada!» - Constança Cunha e Sá



22/07/14

SOBRE A PACC

retirado do fb
21/7/2014

por Madalena Matos Ferreira

SOBRE A PACC DE AMANHà

de Kirchner
do mesmo modo que é quase impossível apresentar álibis convincentes, atenuantes e racionais para as bruxas acusadas de feitiçaria, o julgamento e a humilhação pública dos professores tem sido, nos últimos anos, um processo sem direito a um tribunal imparcial onde os ofendidos e respectivas testemunhas de defesa - os próprios professores - são tratados como a parte menos competente e qualificada. a comunicação social tem aqui uma grande responsabilidade. uma das lições mais tristes desta história é que se formos enganados por muito tempo, a nossa tendência é rejeitar qualquer evidência do embuste e já não nos interessarmos em descobrir a verdade. é, simplesmente, doloroso admitir, mesmo para nós próprios, que fomos enganados. se deixarmos que uma sociopata e, logo a seguir, um impostor, destruam, cada um a seu modo, a reputação de uma das profissões mais relevantes, necessárias e dignas de respeito da nossa vida em sociedade, nunca conseguiremos recuperar a nossa Independência. por isso, os antigos erros tendem a persistir, enquanto surgem outros novos. assistimos a um debate sério sobre aquilo a que se chama, pomposamente, a PACC? esclareceram-se as pessoas sobre o conteúdo daquela prova sem pés nem cabeça? deu-se voz e tempo de antena de qualidade a quem, em poucos minutos, arrumaria aquela obscenidade numa cápsula do tempo para sempre? 

o que está em causa amanhã não é tanto um problema de legalidade. e, mais uma vez, os meios de comunicação não percebem ou não querem perceber o substancial. é que não é função de um governo evitar que os cidadãos cometam erros; é função dos cidadãos evitar que o governo os cometa. há sempre um lobo à espera quando se assiste ao abrandamento do controlo civil. não adianta termos direitos, se não os usamos – o direito à liberdade de expressão quando ninguém contradiz o governo; à liberdade de imprensa quando ninguém está disposto a fazer as perguntas difíceis; o direito de reunião quando não há protestos; pelo desuso, eles podem tornar-se em mero palavreado patriótico. os direitos e as liberdades ou se usam ou se perdem.

21/07/14

Voltamos à moralidade ou à falta dela

no Público,
19 de Julho de 2014

por José Pacheco Pereira  

Não é para melhorar as escolas, é para mostrar quem manda. O resultado é que, se houver sarilhos, é porque andaram a pedi-los. 

Voltar a falar de moralidade é algo que só faço com imensa relutância. A palavra e a coisa são tão ambíguas e prestam-se a tantas manipulações, que a probabilidade de sair asneira ao usá-la é grande. Por regra, entre o moralismo hipócrita, tão comum no mundo católico apostólico romano, e o cinismo, eu acho que o cinismo faz menos estragos em democracia.

O ponto de vista realista, ou, se se quiser, cínico, pode ser pedagógico em política, quando esta está cheia de falsos moralismos, densa de presunção moral. Já houve alturas em que foi assim e ocasionalmente, nalguns momentos e eventos, é assim. Nessas alturas faz bem lembrar que a natureza humana é como é, e pode-se ser um carácter duvidoso a título pessoal e ser-se um bom político, que sirva a comunidade e o bem comum. Churchill serve de exemplo, ou Lincoln. Parece chocante, mas a moralidade pessoal é um terreno pantanoso em que é mais fácil entrar do que sair e o julgamento da moralidade alheia, quase sempre hipócrita, tem a notável tendência de funcionar como boomerang. É por isso que só com pinças.

Mas no tempo em que vivemos não é o moralismo o risco, dada a natureza dos nossos governantes que cresceram numa cultura amoral e de “eficácia”. Por isso é preciso o contrário, chamar a moralidade para a praça pública, porque há coisas que são inaceitáveis numa democracia que desejamos minimamente decente. Já não digo sequer decente, mas minimamente decente. E têm a ver com a moral porque atingem a verdade, a recta intenção, o objectivo do bem comum, o respeito pela dignidade das pessoas e são actos de maldade, de mau carácter, muitas vezes disfarçados de espertezas e habilidades.

O exercício desta imoralidade activa na governação impregna toda a vida pública de maus exemplos, de salve-se quem puder, de apatia ou revolta, de depressão ou violência. Torna Portugal um país doente e um país pior, promove os habilidosos sem escrúpulos e afronta os homens comuns, insisto, minimamente decentes, que não querem o mal para ninguém, desde que os deixem sossegados e sem afronta. É isso que provoca a institucionalização do dolo, do engano, a construção de políticas destinadas a tramar portugueses, umas vezes muitos e outras vezes poucos, sem qualquer vergonha por parte dos seus executantes. E aí eu nasço redivivo como um moralista agressivo, e falo cem vezes do mesmo, sem descanso. Não gosto, mas falo.

A história mais recente e que me fez escrever este artigo foi a desfaçatez do truque que o Ministério da Educação usou para marcar os exames aos professores com três dias úteis de pré-aviso, caindo do céu da surpresa no fim de Julho, com grande estrondo. Na verdade, são teoricamente cinco dias, o mínimo exigido por lei, mas só teoricamente. O truque foi pré-assinar um despacho em segredo, no quinto dia divulgá-lo no Diário da República a contar do dia da sua assinatura, para que na prática faltassem, após o anúncio ser conhecido, apenas três dias úteis até ao exame, 17, 18, e 21 de Julho. Professores que já estavam a receber o subsídio de desemprego, que já estavam de férias, e que não sabiam que iam ter um exame para que é suposto prepararem-se, cai-lhes em cima uma data que é já praticamente amanhã. Nem o gado é suposto ser tratado assim, mesmo quando vai para o abate.

Porquê esta rapidez? A resposta é muito simples: para evitar que os sindicatos pudessem apresentar um pré-aviso de greve no prazo exigido pela lei – ou seja, o Governo faz um truque descarado e sem vergonha para contornar uma lei da República, que permite o exercício de um direito.

Pode-se ter o ponto de vista que se quiser sobre os exames exigidos a professores que já tinham as qualificações necessárias para ensinar e, nalguns casos, já ensinavam há vários anos. Esta é outra questão e sobre ela não me pronuncio. O Governo pode até ter razão em querer os exames e os professores não ter ao recusá-los. Aqui posso ser agnóstico sobre essa matéria. Não é sobre isto que escrevo, mas sobre o pequeno truque, habilidade, esperteza e os seus efeitos de dissolução social como norma de governação.

Vai haver quem encolha os ombros e ache muito bem que se pregue uma partida a Mário Nogueira e aos seus sindicalistas da Fenprof. (No entanto, todos os sindicato, mesmo os da UGT, dirigidos por membros e simpatizantes do PSD, estão de acordo em recusar o truque do Governo.) Mas, como a sociedade portuguesa está em modo de “luta de classes”, há aí muita gente agressiva a querer vingança no tempo útil que sobra até o Governo cair. A mó já é a mó de baixo e daí muita raiva pouco contida, que serve de base à indecência.

Sim, porque o que é inaceitável neste acto é que o Governo apresente face aos cidadãos um Estado cuja face é o logro e a habilidade grosseira, sem se preocupar um átomo em humilhar as pessoas, poucas que sejam, que precisam de um emprego, numa altura em que ele escasseia. É isto que é a maldade social. Não é que seja obrigatório fazer um exame, que é uma medida de política que pode ser contestada legalmente, inclusive pela greve.

O objectivo principal, sabemos nós, é impedir a greve, o que já é em si mesmo grave. Mas, para isso, usa-se discricionariamente as pessoas, atirando-as a seu bel-prazer de um lado para o outro, sem qualquer vantagem social, profissional, pedagógica. O Governo, mais do que testar os conhecimentos dos professores, o que já abandonou pelo caminho, quer discipliná-los, obrigando-os a obedecer, para poder mostrar autoridade. E, como podiam ter a vontade de fazer greve, tira-lhes essa possibilidade legal com um truque.

Não é para melhorar as escolas, é para mostrar quem manda. O resultado é que, se houver sarilhos, é porque andaram a pedi-los. Ao tratar-se as pessoas como cães, não admira que elas possam vir a morder.
fonte

16/07/14

O mercado municipal

no Público,
16 de Julho de 2014

por Santana Castilho *

 O mercado municipal

A municipalização da educação está a ensaiar os primeiros passos em contexto estratégico favorável, prudentemente escolhido, já que os professores não pensam senão nuns dias de férias, depois de afogados em trabalhos de exames, que culminaram um ano particularmente desgastante. 

Foi Poiares Maduro, que não o ministro da pasta, que anunciou, na Comissão Parlamentar de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local da Assembleia da República, em Março passado, a intenção de o Governo entregar a gestão da educação a dez municípios-piloto. Na altura, não clarificou o que entendia por gestão da educação. Tão-só disse que a intenção do Governo era descentralizar. Mas descentralizar, verbo transitivo que significa afastar do centro, não é panaceia que traga automática melhoria ao sistema. O experimentalismo descentralizador dos últimos anos no que toca à colocação de professores e o cortejo inominável de aberrações e favoritismos que gerou é um bom exemplo de que muitas vertentes da gestão do ensino devem permanecer centralizadas. Justifica-o a pequena dimensão do país, a natureza dos compromissos, legais e éticos, assumidos pelo Estado face a um vastíssimo universo de cidadãos e as economias de escala que as rotinas informáticas permitem. Quanto aos aspectos que ganharão, e são muitos, se aproximarmos a capacidade de decidir ao local onde as coisas acontecem, não deve o poder ser entregue às câmaras, mas aos professores e às escolas. Justifica-o a circunstância de estarmos a falar da gestão pedagógica. Porque quem sabe de pedagogia são os professores. 

Nave dos Loucos, Jheronimus Bosch
Há um fio condutor para esta proposta, qual seja o de impor à Educação nacional o modelo de mercado, agora de mercado municipal. Trata-se de transformar o acto educativo em produto de complexidade idêntica à rotunda ou à piscina municipal. Quer-se apresentar a Educação como um simples serviço, circunscrito a objectivos utilitários e instrumentais, regulado prioritariamente por normas de eficiência. Querem exemplo mais escabroso que o convite para que as câmaras cortem professores, até ao limite máximo de 5% do número considerado necessário, a troco de 12.500 euros por docente abatido? 

Este é mais um passo que concretiza a estratégia empresarial e tecnocrática que o Governo tem para a Educação, bem fixada pela elitização do ensino, que o “dual” postula para as crianças de dez anos que reprovem duas vezes, pela adopção de pedagogias de adestramento, de que a hiperinflacção dos exames é exemplo, e pelo contributo generoso para a introdução de linhas de montagem no ensino, que os monstruosos mega-agrupamentos tipificam. A municipalização, com os pressupostos conhecidos de distribuição de competências, implode de vez a propalada autonomia das escolas e abre portas a iniciativas partidárias de que temos sobeja demonstração empírica, via experiência já colhida de intensa introdução de jogos políticos no funcionamento dos conselhos gerais. Cruzada com as intenções (e o financiamento cativo em sede de orçamento de Estado) que foram anunciadas quanto ao cheque-ensino, poderá repetir no país o que se verificou na Suécia, com a criatividade activa dos grupos económicos a explorarem o “negócio” até que, anos volvidos, se reconheça a sua falência. 

Diz-se que a generalização só se efectivará se uma avaliação, cujo modelo é desconhecido, a recomendar. Os exemplos, velhos e recentes, atestam o valor que a intenção tem. Veja-se o que se acabou de fazer com a avaliação dos centros de investigação. Recorde-se como a experiência do ensino dual passou, vertiginosamente, sem qualquer avaliação, de 10 para 300 escolas. E olhe-se, com um sorriso complacente, o “empreendedorismo” voluntarista que já se esboça: o presidente da câmara de Óbidos já anunciou Filosofia para os alunos do 1º ciclo do básico, yoga para os do jardim-de-infância e golfe e “eco design” para os do secundário. 

Embora a lei não o permita e de momento apenas se fale numa autorização para os municípios recrutarem pessoal docente para projectos específicos locais (lembremo-nos da contratação de professores de inglês a quatro euros à hora, feita por empresas intermediárias, nos tempos de José Sócrates), a eventual passagem para as autarquias da responsabilidade de gestão e pagamento aos professores traz à colação a falência técnica de muitas câmaras, os atrasos, muitos, verificados para com professores de actividades extracurriculares e o receio de novas discricionariedades ditadas pelo caciquismo e pela promiscuidade entre câmaras e órgãos unipessoais de direcção das escolas. 

Os que se têm movido para desregular o sector por esta via, sem que nenhuma fundamentação empírica o justifique, dão um passo substancial. A saúde move-se já no mesmo sentido, dando razão ao pensamento de Foucault, que nos ensinou que os governos ditos liberais promovem a dissipação do Estado pulverizando mecanismos de controlo e tutela por toda a parte. Ou dito de outro modo: a apetência do Governo por ter cada vez menos responsabilidades sociais vai de passo síncrono com a ânsia caciqueira de mais poder por parte dos autarcas. Com esse engodo, os autarcas acabam promovendo políticas a que se oporiam se a iniciativa partisse do Governo central. E o Governo central subtrai-se, maquiavelicamente, aos protestos que as suas políticas originam. E há quem fale de ausência de estratégia! 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

14/07/14

Israel-Palestina


por Gaza


....................perceber o incompreensível................ imagens e notícias:
  • aqui (ataques sionistas, vídeos) 
  • aqui (entrevista com Leïla Shadid, embaixadora da Palestina para a UE) 
  • aqui (breaking news: pg. fb do jornalista Abed Enen)
  • aqui (o escritor israelita Amos Oz fala de neo-nazismo hebraico) * em inglês
  • aqui (Recusa 2014: Jovens de Israel recusam Exército: "Melhor ir para a prisão")

NY: milhares de judeus protestam contra os ataques de Israel

09/07/14

PROFESSORES: do que fomos perdendo..


Sem apreciações de maior..
Sem considerações sobre o inegável desgaste da profissão mais a inerente qualidade do serviço prestado..
Só para que se saiba ..

Em 1989, na 1ª colocação a seguir ao estágio (que fiz depois de 11 anos de serviço), com 33 anos de idade e 3 "fases", eu já tinha menos 4h lectivas (18, em vez de 22)
--- e q ninguém pense que era uma "rica vida"! 

 do Decreto-Lei n.º 290/75: 
de Antoni Tàpies
«O facto de o horário de serviço obrigatório do pessoal docente ser, em regra, inferior ao do restante funcionalismo não elimina, nem sequer atenua, relevantemente essa disparidade (salarial), pois àquele se torna necessário, para além das aulas que ministra, ocupar ainda largo tempo na respectiva preparação, na feitura e apreciação de provas de avaliação de conhecimentos, na obtenção de uma indispensável formação cultural e profissional e na realização de outras actividades que obrigam desde já a uma maior permanência nos estabelecimentos de ensino, independentemente de se considerar que só quando nos mesmos se dispuser de instalações adequadas se poderá, na verdade, redefinir o horário destes profissionais.» 
Em 1975, quando havia sensibilidade para as questões da educação, legislou-se assim:
http://www.igf.min-financas.pt/Leggeraldocs/DL_290_75.htm



2007 - Estragos de uma sinistra ministra:
O ECD (Estatuto da Carreira Docente) publicado 19 de Janeiro de 2007, imposto pela então ministra da educação Maria de Lurdes Rodrigues, alterou a redacção do artigo 79º (do ECD de 1990), retardando na idade a atribuição de horas de redução da componente lectiva (CL) por idade e tempo de serviço. - fonte

«Na nova redacção então aprovada, o regime de redução da CL (componente lectiva) dos professores dos 2º e 3º ciclos do Ensino Básico, do Ensino Secundário e da Educação Especial que passou a vigorar foi o seguinte: 
  • 50 anos de idade e 15 de serviço: 2 horas de redução; 
  • 55 anos de idade e 20 anos de serviço: + 2 horas de redução; 
  • 60 anos de idade e 25 anos de serviço: + 4 horas de redução. 

Ora .. considerando que
  • um professor que comece a trabalhar no fim do seu curso terá, em princípio, 23 anos. 
  • todos os anos terá sido colocado com horário completo, 
............. Aos 50 anos não terá perfeito 15, mas 27 anos de serviço! Assim sendo, de onde raio vem a associação 50 -15 ?!! Só a entenderia se fosse 50 de idade ou 15 de serviço .....

2013 ... a machadada final do rastejante economicista alcandorado a ministro:
Não tendo outro projecto educativo que não seja a redução de custos com este serviço público (que não com os comparsas do privado!..), o lacaio do senhor Crato vem, desde que pegou no tacho, fazendo de tudo para despedir o maior número possível de professores e infernizar a vida dos que ficam, bem além do sonhado pela sua ilustre mentora:

Governo acaba com horário reduzido para professores

Os docentes com mais de 50 anos que até agora usufruíam de redução de horário em sala de aula, a qual poderia ir até menos 8 horas semanais, deixarão de beneficiar desta regalia. Assim decidiu o Executivo liderado por Pedro Passos Coelho, sendo que a medida que acaba com a redução da componente lectiva para os professores em topo de carreira, se inscreve na reforma do Estado, no âmbito da qual o Ministério da Educação, dirigido por Nuno Crato, terá de conseguir uma poupança na ordem dos mil milhões de euros. --- ler mais aqui

Não falo do que perdemos com o 1º ECD (as greves de 1988 e indesejada desconvocatória - que levou à des-sindicalização de centenas de professores, se alguém se lembra..), ou de como o 2º o tornou até aceitável..
Menos ainda falo das condições que, transitando do famigerado Estado Novo, se mantiveram até ao referido 1º ECD e que, bem vistas as coisas e pondo de parte a questão salarial, consideravam com mais justeza uma realidade profissional fortemente marcada pelo stress e o desgaste, nomeadamente psicológico:
  • direito a 2 dias de faltas por mês (o então artigo 4º); 
  • reforma aos 55 anos.

Pois..

06/07/14

Eugénio

São como um cristal,
Costa da Caparica
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade 

05/07/14

Sophia

de Sebastião Salgado
Tempo de solidão e de incerteza

Tempo de medo e tempo de traição

Tempo de injustiça e de vileza

Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira

Tempo de mascarada e de mentira

Tempo de escravidão

Tempo dos coniventes sem cadastro

Tempo de silêncio e de mordaça

Tempo onde o sangue não tem rasto

Tempo da ameaça.

Sophia de Mello Breyner Andressen

02/07/14

"A mediocridade técnica e política"

no Público,
2/7/2014

por Santana Castilho *

A mediocridade técnica e política


Quando antecipei, no meu último artigo, que teríamos polémicas longas sobre os exames, não fui profeta. A previsão não tinha mérito. Era, tão-só, corolário primário para quem assiste, atento, à actuação reiterada do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE), antes com outra designação mas todos os anos responsável por erros inaceitáveis. Não se equivalessem em mediocridade a qualidade técnica do IAVE e a qualidade política do ministro e não estaríamos, pais, professores e alunos, sujeitos a tanta irresponsabilidade. 

Para a questão 2.3 do grupo II do exame de Português do 12º ano, a que se submeteram cerca de 74.000 alunos, a resposta considerada certa pelos critérios oficiais de correcção é “acto ilocutório compromissivo”. Porém, a Associação de Professores de Português (APP) e a Associação Portuguesa de Linguistas (APL) afirmaram que a resposta correcta é “acto ilocutório assertivo”. A discussão gerada tornou evidente que os especialistas das áreas chamadas à colação (Linguística, Teoria da Comunicação, Pragmática e Hermenêutica) não se entenderam quanto à certeza da resposta. Pois é esse facto, que obrigou o IAVE a aceitar ambas, que evidencia a dimensão do disparate em que incorreu, quando decidiu incluir nos itens do exame uma pergunta com estas características. O problema, antes de ser do foro daquelas disciplinas, aterra, em cheio, no domínio da avaliação. Qualquer aprendiz de teoria de construção de testes sabe, desde a primeira lição, que é erro grosseiro incluir uma pergunta deste tipo num exame nacional do secundário. Mas os especialistas do IAVE, inimputáveis na sua incompetência, não souberam. Dir-me-ão que a decisão do IAVE ultrapassou a questão, que é relevante em termos do futuro académico dos alunos, ao atribuir o meio valor em causa também àqueles que não responderam como previsto nos critérios iniciais de classificação. É só parcialmente verdade. Porque ficará sempre por suprir a perplexidade, o tempo perdido e a tensão acrescida a uma situação por natureza tensa, que uma pergunta ambígua, permitindo interpretações diversas, trouxe aos alunos. A validade de um exame passa por saber se esse exame “mede efectivamente aquilo que queremos medir, tudo o que queremos medir e nada mais do que aquilo que queremos medir” (Thorndike e Hagen, 1977: 56-57. Measurement and Evaluation in Psychology and Education. New York: Wiley). 

A pergunta 1 do grupo III do exame de História, também do 12º ano, reza assim: “Explique, a partir do manifesto da oposição (documento 2), três dos fatores político-sociais que favoreceram a afirmação de um regime autoritário em Portugal”. Só que a pergunta não “fala” para o documento 2. A pergunta orienta o aluno para as condições de formação do Estado Novo, enquanto o documento 2 o remete para acontecimentos que ocorreram 35 anos mais tarde (início da guerra colonial e início da decadência do Estado Novo). Os alunos foram induzidos em erro. A pergunta não tem relação com o documento que é invocado. Do cruzamento da pergunta com os critérios orientadores para julgar as respostas resulta uma incoerência. É um caso de desleixo grosseiro, sobre o qual, que me tenha dado conta, o IAVE ainda nada disse. 

O exame de Matemática A do 12º ano veio trazer actualidade acrescida à pergunta de sempre: um exame serve para apurar elites ou certificar conhecimentos que se subordinem a programa e objectivos estabelecidos? E na resposta à pergunta radica a polémica que este provocou. De um lado (Sociedade Portuguesa de Matemática à cabeça) aqueles que defendem que a selecção é o fim, porque à universidade só devem chegar as elites. Do outro (Associação de Professores de Matemática inclusa) os que reclamam que o exame deve medir a aprendizagem que teve o programa por referência, porque é obrigatório para quem queira apenas concluir o secundário. Fora o exame equilibrado e serviria os dois propósitos. Um exame bem feito deve permitir que os alunos de positiva modesta ao longo do ciclo de estudos o superem. Isso não impede que contenha questões suficientemente discriminatórias, que forcem a distribuição do universo dos examinandos ao longo de todo o espaço da escala classificativa, de modo a separar os de 10 dos de 15 ou 20. Mas se os de 10 ou 11, regulares ao longo dos três anos da frequência do secundário, forem massacrados com negativas baixas, como muitos prognosticam, então terá razão a APM, que classificou a prova como “completamente desadequada” e “altamente injusta”. Tanto mais que se aproxima dos 90.000 o número de alunos que apenas querem concluir o secundário, sem pretenderem entrar no ensino superior. 

A “generalização da avaliação externa”, que a coligação inscreveu no programa de Governo, e o “rigor” com que Crato a interpretou traduzem-se na simples substituição do rótulo da mesmíssima tralha: o IAVE passou de direcção-geral a instituto público para melhor ajudar a sacralização da asneira: corta-se tempo lectivo para preparar exames; mandam-se alunos para casa para que outros façam exames; retiram-se professores das aulas para corrigir exames; paga-se a estrangeiros para credibilizar exames inúteis, que nacionais corrigem sem ganhar; adestram-se meninos, professores e escolas para fazerem estes exames. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

01/07/14

"Crónicas na Corda Bamba"


Li que uma empresa obrigava as mães a assinar um documento onde se comprometiam a não engravidar. Eu entendo a empresa em questão porque isto de ser mãe é uma gigantesca limitação laboral.Uma mãe deve gozar todos os meses possíveis de licença de maternidade. 

de Gustav Klimt
Uma mãe deve ter direito a horário reduzido que lhe permita continuar a amamentar, ou simplesmente ser ela a dar o biberão e ainda ter tempo para brincar com o(s) seu(s) filho(s). E depois deve sair a horas de ir buscar os miúdos à escola e ainda empurrar o baloiço com luz do sol, antes de irem comprar fruta para o jantar que vão preparar juntos. 

Já lá vão seis anos de horário reduzido e venham mais seis porque uma mãe deve fazer os trabalhos de casa com o(s) seu(s) filhos. Ouvir as primeiras palavras, as primeiras leituras em voz alta, dar um abraço depois da primeira conta de multiplicar. Uma mãe deve assinar os testes com tempo para olhar para eles. E respirar fundo enquanto conversa sobre a zanga com o melhor amigo, ou com o primeiro amor. 

Ainda pior que o horário reduzido são as faltas: nenhum mimo cura a varicela como os beijos de mãe, e há as febres do inverno, as gastroenterites do ano inteiro, aquelas que precisam da mão da mãe a apoiar a testa. 

Mas, esta empresa, que obriga as mães a assinar um documento onde se comprometem a não engravidar, e a todas as outras que o fazem de forma "chantagista", assumida, encoberta ou por sugestão, gostava de dizer que as mães trabalham em seis horas o que outras pessoas não fazem em dez. Gostava que soubessem que se as deixassem trabalhar a partir de casa produziam o triplo. Gostava que soubessem que os neurónios que os filhos queimam se transformam noutros cheios de criatividade e soluções. As mães, que podem faltar com a tranquilidade dos filhos que querem cuidar, regressam igualmente tranquilas e até agradecidas, com vontade de compensar por tudo o que ficou por fazer. 

A essas empresas - acho bem que avisem antes para que fujamos delas, em vez de sermos sujeitas a processos de assédio terríveis até ao desespero que nos leva a deixar o emprego em vez de as obrigar a não infringir a lei - aconselho a arranjar um documento igual para futuros pais. Porque aquele parágrafo onde escrevi mãe pode ler-se igualzinho para cada pai. E os homens, cada vez mais, sabem disso.

Catarina Beato,
Jornalista e autor do blog Dias de uma Princesa

http://www.dinheirovivo.pt/Emprego/Conselhos/interior.aspx?content_id=3986284